No alto do Deserto do Atacama, o Observatório Vera C. Rubin passou por uma bateria de testes e estava programado para começar operações formais em outubro. O aparelho chamou atenção não por ser discreto, mas por sua capacidade: uma câmera com bilhões de pixels, pensada para mapear todo o céu noturno a cada quatro dias — é como um time‑lapse do universo.
O que o Rubin mostrou
Em apenas uma semana de testes, o Rubin detectou mais de 2 mil asteroides, entre eles sete classificados como objetos próximos da Terra. Impressionante, não? Esse volume de achados aumenta muito a lista de alvos que precisam de observações de seguimento.
Mas para transformar essas descobertas em ciência detalhada é preciso mais do que uma câmera poderosa. Alguns fenômenos exigem telescópios diferentes, com espelhos maiores ou instrumentação complementar, para confirmar e estudar melhor o que o Rubin encontra.
O desafio do Telescópio Gigante Magalhães (GMT)
O projeto pensado para complementar o Rubin é o Telescópio Gigante Magalhães (GMT), a cerca de 130 km ao norte. No local havia um canteiro de obras inicial — grandes escavações, estruturas de apoio e serviços sendo instalados — mas a construção ainda estava longe do fim.
O GMT começou com aportes privados, especialmente de grandes universidades dos Estados Unidos, que financiaram grande parte do primeiro US$ 1 bilhão. Para terminar a obra e iniciar operações até 2035, a equipe passou a depender de até US$ 1,3 bilhão adicionais da NSF. Entre os desafios técnicos estão sete espelhos monolíticos de cerca de 8,5 metros de diâmetro: cada um pode levar até quatro anos para ficar pronto e a produção depende de um único forno capaz de fabricá‑los.
Dinheiro, cortes e impacto
O financiamento já recebido pelo Rubin inclui aproximadamente US$ 600 milhões da National Science Foundation (NSF) e cerca de US$ 320 milhões do Departamento de Energia (DOE). A operação do observatório foi estimada em torno de US$ 80 milhões por ano.
Contudo, cortes orçamentários aplicados durante a administração de Donald Trump afetaram diretamente a NSF e projetos ligados a ela. Entre as consequências estavam a redução da força de trabalho de cerca de 1.800 para aproximadamente 1.100 pessoas, a redução de metade do orçamento previsto para 2026 e uma queda expressiva no financiamento de bolsas para pós‑doc e estudantes de pós‑graduação. Especialistas alertaram que isso torna mais difícil atrair e manter jovens pesquisadores — justamente quem vai lidar com os enormes volumes de dados produzidos por instalações como o Rubin.
Parcerias e competição internacional
O conselho do GMT afirmou compromisso em financiar privadamente a fase atual e buscar mais parceiros internacionais; a lista já incluía instituições da Austrália, Brasil, Coreia do Sul e Taiwan. Ao mesmo tempo, a competição global cresce: a China instalou um observatório de rádio na Argentina, procurava aprovação para um projeto de telescópio óptico no Atacama e constrói, em seu território, o maior radiotelescópio de prato único do mundo.
Dados captados pelo Rubin são armazenados em um laboratório nos Estados Unidos, mas o acompanhamento de anomalias e o aprofundamento de descobertas normalmente exigem outros telescópios no Chile para observações de seguimento.
“Tudo o que sabemos representa apenas 5% do universo”, disse Karla Peña, especialista sênior em observação no Rubin.
“Se os EUA não concluírem o GMT para estudar as descobertas da equipe do Rubin, tudo o que você fez foi encontrá‑las e disponibilizá‑las para seus concorrentes”, disse Rebecca Bernstein, cientista‑chefe do projeto GMT.
Um porta‑voz da NSF afirmou que a agência continua investindo em programas para apoiar estudantes, pesquisadores em início de carreira e pesquisas de ponta, e que ainda havia financiamento disponível para manter os EUA na vanguarda da ciência e da inovação.
Em resumo: o Rubin estava pronto para começar operações formais em outubro, com um desempenho promissor nos testes. O futuro do GMT, porém, depende da liberação dos recursos necessários para concluir a construção e iniciar operações na década de 2030, conforme cronogramas e estimativas das equipes envolvidas.