O caldo entornou na noite de segunda‑feira, 28 de julho, quando o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL‑SP) usou a rede social X para atacar publicamente o colega de partido Nikolas Ferreira (PL‑MG). De Washington (EUA), o filho do ex‑presidente Jair Bolsonaro reagiu a uma publicação do blogueiro Allan dos Santos que o questionava sobre a participação de Nikolas em um debate virtual com a influenciadora conhecida como “Baianinha Intergaláctica”, voz crítica do clã bolsonarista. “Ela é uma pessoa abjeta, que defende a minha prisão e a da minha família. É triste ver a que ponto o Nikolas chegou”, escreveu Eduardo, rompendo uma parceria que já durava anos e surpreendendo aliados em Brasília e Belo Horizonte.
A explosão não veio do nada. Na sexta‑feira anterior, Eduardo já havia demonstrado irritação com o deputado mineiro ao acusá‑lo de ser “pouco ativo” no apoio às sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal e na mobilização contra o “tarifaço” de 50 % sobre produtos brasileiros anunciado pelo presidente norte‑americano Donald Trump. “Causa, de certa maneira, estranheza que ele tem sido pouco ativo em levar essa mensagem adiante. Não acho o Nikolas uma pessoa mal‑intencionada, mas confesso que achei que teria mais respaldo”, disse o parlamentar em entrevista à revista Oeste, reproduzida pelo site CartaCapital. O desabafo revelou frustração com quem ele considerava o rosto mais popular do bolsonarismo digital.
Tarifa de Trump e embate público
A origem da irritação de Eduardo passa pela tarifa de 50 % imposta por Trump sobre produtos brasileiros, medida anunciada em 9 de julho de 2025 e prevista para entrar em vigor em 1º de agosto. Enquanto senadores brasileiros foram a Washington tentar negociar o adiamento da sobretaxa, Eduardo disse, em entrevista ao SBT News, que trabalha para que não haja diálogo. Para ele, o problema é político, não econômico, e só será resolvido quando o Brasil “der o primeiro passo” ao anistiar os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. Ao mesmo tempo, o deputado utiliza o tarifaço como instrumento de mobilização dos apoiadores de seu pai e cobra de aliados uma postura de confronto.
Nikolas, no entanto, havia mantido distância da agenda radical. Em vez de aderir à campanha para pressionar o Senado e o Supremo, o mineiro centrou seu mandato na presidência da Comissão de Educação da Câmara e em agendas locais, o que irritou Eduardo. O atrito agravou‑se quando Nikolas elogiou, durante um Space na rede X, a influencer “Baianinha Intergaláctica”, que já havia defendido a prisão da família Bolsonaro. A interação levou Allan dos Santos a chamá‑lo de “canalha” e serviu de gatilho para a acusação de “traição”.
Quem é Nikolas Ferreira e por que Minas importa
O rompimento mexe com as bases do bolsonarismo porque Nikolas Ferreira não é um deputado qualquer. Filho de pastor e criado em Belo Horizonte, ele transformou sua verve provocadora em fenômeno nas redes sociais, alcançando milhões de seguidores. Um levantamento da consultoria Genial/Quaest apontou que ele é o deputado federal mais influente nas redes. Ele foi eleito vereador da capital mineira em 2020 com quase 30 mil votos e, dois anos depois, deixou a Câmara Municipal para disputar um mandato federal, sendo o mais votado do Brasil: 1,47 milhão de votos. Com apenas 29 anos, é apontado como principal cabo eleitoral para a disputa da prefeitura de Belo Horizonte e já mira o governo de Minas Gerais em 2026.
Esse capital político é concentrado em Minas, segundo maior colégio eleitoral do país. A nova direita aposta em Nikolas para atrair a geração Z conservadora, enquanto os velhos caciques da família Bolsonaro perdem influência após a inelegibilidade do ex‑presidente. A movimentação de Eduardo para desacreditar o aliado mineiro, portanto, tem forte impacto simbólico: ela ameaça dividir a base bolsonarista numa região estratégica e pode enfraquecer a candidatura de um possível aliado nas eleições municipais de 2026.
Disputa por protagonismo e reação das redes
Além da acusação de ingratidão, analistas apontam que a briga reflete uma disputa por protagonismo dentro do bolsonarismo. Levantamento da empresa Palver, divulgado pelo InfoMoney, mostra que a direita dominou o debate nas redes após o anúncio da tarifa de 50 % e que as tensões internas passaram a ser discutidas abertamente. Nikolas, antes um dos principais mobilizadores da base conservadora, virou alvo de críticas em grupos mais radicais por suposta “moderação excessiva” e “ausência nos momentos decisivos”. Figuras como o influenciador Paulo Figueiredo, aliado de Eduardo, assumiram a linha de frente em defesa de posições mais polarizadoras, ampliando a sensação de racha.
A ofensiva de Eduardo foi vista por parte da militância como tentativa de retomar o controle do bolsonarismo após meses de reveses judiciais. Desde fevereiro, o filho 03 reside nos Estados Unidos, onde lidera uma campanha pela anistia dos réus do 8 de janeiro. Ele enfrenta inquérito no Supremo Tribunal Federal por supostamente instigar autoridades estrangeiras a pressionar o Judiciário brasileiro e teve bens bloqueados, o que fragiliza sua posição interna.
Impacto e próximos passos
Ainda não há resposta pública de Nikolas Ferreira às recentes críticas de Eduardo, mas aliados do mineiro afirmam que ele pretende focar nas pautas locais e evitar confronto aberto, apostando na força de sua base jovem. O episódio, contudo, abre espaço para que outras lideranças da direita, como os governadores Tarcísio de Freitas (SP) e Romeu Zema (MG), avancem sobre o eleitorado bolsonarista. A mesma reportagem do CartaCapital já apontava que Eduardo também disparou contra esses governadores ao acusá‑los de negociarem com os EUA em vez de defenderem a anistia.
O cenário para 2026 fica mais incerto. Se o racha entre Eduardo Bolsonaro e Nikolas Ferreira não for superado, o bolsonarismo pode enfrentar dificuldades para manter coesão em Minas Gerais, reduto decisivo para qualquer candidatura presidencial. A disputa por atenção nas redes sociais e a divergência sobre o enfrentamento à Suprema Corte também desafiam a capacidade de mobilização da direita, que, segundo monitoramento da Palver, foi eficiente ao dominar o debate sobre o tarifaço. A pergunta que fica é se haverá espaço para uma recomposição ou se a nova direita seguirá dividida entre a radicalização e a moderação — e como isso poderá alterar o xadrez eleitoral nos próximos anos.