A novela da compra milionária de água mineral pela Prefeitura de Paulo Afonso ganhou mais um capítulo. Depois da repercussão do contrato de R$ 1.129.150,00, o procurador-geral do município, Dionatas Meirelles, decidiu se pronunciar oficialmente. A ideia era esclarecer. O efeito? Mais dúvidas do que respostas — e um debate ainda maior sobre as prioridades da gestão.
“Está tudo dentro da lei”, mas…
Meirelles fez questão de dizer que tudo seguiu “rigorosamente os princípios da nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021)”. E ninguém aqui está dizendo o contrário. O ponto é outro: mesmo que esteja legalmente correto, faz sentido gastar mais de R$ 1 milhão só com água mineral para órgãos públicos?
Para entender o peso disso: o valor equivale a 16,4% de todo o orçamento do Gabinete do Prefeito (R$ 25,8 milhões). Em uma cidade que tem outras demandas urgentes, não é pouco.
“Só vamos pagar o que consumir” — será?
O procurador explicou que a Ata de Registro de Preços não obriga a prefeitura a gastar todo o valor previsto. Em tese, só se paga o que se usa. Ok. Mas se a intenção não é chegar nem perto desse teto, por que registrar um valor tão alto?
Na prática, criar um contrato milionário abre espaço para que o gasto se aproxime dele — ainda mais porque empresas vencedoras já esperam retorno pelo investimento feito no processo licitatório. É como assinar um cheque em branco e dizer que não vai usar tudo. Será mesmo?
Empresas locais participaram… mas perderam
Segundo a prefeitura, duas empresas de Paulo Afonso entraram na disputa, mas perderam para concorrentes de fora pelo critério de menor preço. Os vencedores foram:
- Emmanuel Victor Lopes de Souza (Aracaju-SE) – R$ 287,3 mil
- Sagitário (Camaçari-BA) – R$ 562 mil, quase metade do valor total.
Isso levanta uma pergunta: se o critério era só preço, por que as empresas locais não conseguiram competir? Será que o edital tinha exigências que só grandes distribuidores atendem? Ou faltou incentivo e capacitação para que empreendedores da cidade pudessem participar de forma mais competitiva?
Alternativas mais baratas e sustentáveis ficaram de fora
O que mais chama atenção é que ninguém falou sobre soluções simples — e muito mais econômicas — como instalar bebedouros industriais e purificadores. Um equipamento desse tipo, com capacidade para 25 litros, custa cerca de R$ 5 mil.
Mesmo equipando todos os órgãos municipais e fazendo manutenção trimestral (cerca de R$ 300 por unidade), o gasto anual seria uma fração dos R$ 1,1 milhão previstos. De quebra, o meio ambiente agradeceria: menos garrafas plásticas, menos transporte, menos emissão de carbono.
Falta de transparência: cadê os números?
Para justificar um contrato desse tamanho, seria natural mostrar dados concretos:
- consumo mensal real de água mineral nos últimos anos
- número de servidores atendidos
- estudo comparativo de custo-benefício
- justificativa para não usar a água tratada da rede pública
Nada disso foi apresentado. Fica parecendo que o valor foi definido no “achômetro”
O que mais daria para fazer com R$ 1,1 milhão?
Esse dinheiro poderia:
- garantir 225 cestas básicas por mês durante um ano inteiro
- reformar e equipar unidades básicas de saúde
- investir em cursos de capacitação para centenas de jovens
- melhorar a infraestrutura de escolas municipais
Diante disso, não dá para fugir da pergunta: será que água mineral para órgãos públicos é mesmo prioridade?
E o impacto ambiental?
Fora a questão financeira, tem outro ponto que a prefeitura ignorou: o impacto ambiental. Milhares de garrafas plásticas, caminhões transportando água de outras cidades e a pressão sobre mananciais de outras regiões.
Se a gestão quer ser exemplo de sustentabilidade, esse certamente não é o caminho.
Conclusão
A prefeitura pode até ter seguido a lei, mas não convenceu na hora de explicar por que gastar tanto com água mineral. A população quer saber:
1. Por que não considerar alternativas mais baratas e ecológicas?
2. Qual é o consumo real que justifica esse contrato?
3. Por que empresas locais ficaram de fora?
4. Quem vai fiscalizar para evitar desperdício?
5. Que estudo ambiental foi feito?
Enquanto essas respostas não vierem, o contrato continuará sendo visto como símbolo de desperdício e má gestão. Porque legalidade é o mínimo. O que a população espera mesmo é bom senso.