Uma nova disputa sobre a reforma administrativa parece estar em ebulição no Congresso Nacional. Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), defende a prioridade para a aprovação de um novo projeto em 2025, o deputado Arthur Maia (União-BA), que foi relator da proposta anterior, critica a iniciativa. Para Maia, a busca por um texto inédito é como querer “reinventar o ovo de Colombo”, já que uma proposta amplamente debatida e votada em comissão já existe e aguarda votação no plenário.
Hugo Motta participou de um evento em São Paulo na última segunda-feira (9) e foi direto ao ponto: a reforma administrativa é crucial. Por que a urgência? Ele argumenta que a mudança é fundamental para melhorar os serviços oferecidos à população e, ao mesmo tempo, diminuir os custos da máquina estatal, tornando-a mais eficiente e menos onerosa para o cidadão.
O Novo Grupo de Trabalho na Câmara
Quando podemos esperar novidades? Hugo Motta falou que o projeto de reforma administrativa deve ser apresentado em julho deste ano. Isso acontecerá após intensos debates em um Grupo Especial de Trabalho que foi instalado nesta semana na Câmara.
Motta fez questão de esclarecer o foco da discussão. Segundo ele, o objetivo da reforma não é punir ou perseguir servidores públicos. A ideia central, para o presidente da Câmara, é implementar a meritocracia no serviço público e incorporar tecnologias e práticas de gestão que o setor privado já usa para otimizar processos e cortar custos.
Como o texto final será formatado? “Vai depender do caminho a ser seguido, ainda não há esse modelo [se por proposta de emenda à Constituição ou projeto de lei]”, afirmou Motta. Ele completou dizendo que o debate nos próximos meses definirá o formato, com um texto previsto para sair até o final de junho ou início de julho, sempre considerando as consequências de cada decisão tomada.
O grupo de trabalho responsável por essa tarefa é presidido pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). Eles terão um prazo total de 45 dias para discutir e finalizar a proposta de reforma administrativa. Para construir o texto, os deputados poderão realizar audiências públicas e se reunir com diversos setores: órgãos públicos, entidades da sociedade civil, profissionais especializados, juristas e autoridades no assunto.
Durante a reunião de instalação do grupo, na terça-feira (10), o deputado Pedro Paulo anunciou que as conclusões deverão ser apresentadas até 14 de julho. Qual a principal meta desse colegiado? Segundo ele, o foco é produzir propostas que melhorem a qualidade dos serviços oferecidos à população pela administração pública, sem que o objetivo primordial seja, necessariamente, gerar um impacto direto nas contas públicas.
O Histórico da PEC 32
Mas a reforma administrativa não é um assunto novo, certo? Exatamente. O debate sobre a modernização do Estado já acontece há alguns anos no Congresso. Em 2020, durante o governo Bolsonaro, o Poder Executivo enviou à Câmara uma proposta de emenda constitucional, a PEC 32, tratando exatamente disso. O texto visava mudar regras sobre servidores e empregados públicos e alterar a organização da administração pública em todos os níveis de governo.
Qual foi a tramitação dessa proposta? A PEC 32 foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em 2021. Depois disso, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial especificamente para analisar a proposta. Lira indicou o deputado Arthur Maia (União-BA) para ser o relator dessa PEC na comissão.
O trabalho na comissão especial foi intenso. Após diversos debates e a realização de audiências públicas para ouvir a sociedade, o relatório apresentado pelo deputado Arthur Maia foi aprovado em setembro de 2021. Com essa aprovação, a matéria ficou pronta para ser votada no plenário da Câmara.
Apesar da importância dada à reforma administrativa na época pelo presidente Lira, a PEC 32 acabou não sendo votada no plenário. O motivo? O calendário eleitoral de 2022, que acabou impedindo que a proposta fosse levada adiante naquele momento.
Recentemente, antes da decisão de Motta de criar um novo grupo, o deputado Arthur Maia vinha defendendo a retomada da discussão da PEC 32/2020, justamente por ela já ter uma tramitação adiantada. A visão de Maia é que essa proposta visa implementar mudanças que valerão principalmente para os futuros servidores que entrarem na carreira pública. Ele acredita que o texto aprovado na comissão especial tem o potencial de levar o país a ter uma administração pública verdadeiramente eficaz, acessível e confiável para o cidadão.
“Precisamos de uma gestão pública mais ágil, produtiva e transparente”, defendeu o deputado baiano. Para ele, a PEC 32 era essencial para modernizar o Estado, reduzir privilégios e aumentar a eficiência, garantindo que os serviços essenciais chegassem com mais qualidade a quem mais precisa.
Divergência e o ‘Ovo de Colombo’
Diante desse histórico, a decisão do atual presidente da Câmara, Hugo Motta, de deixar de lado a PEC 32/2020 – que já está adiantada e pronta para ser votada no plenário – e instalar um novo Grupo de Trabalho com a orientação de elaborar uma proposta do zero, gerou críticas. É aqui que entra a fala de Arthur Maia sobre “reinventar o ovo de Colombo”.
Qual a visão de Hugo Motta sobre o caminho a seguir com o novo grupo? “No início de julho, este grupo de trabalho irá apresentar a sua proposta já também dialogando no Senado, para que a proposta possa ser sendo dialogada nas duas Casas e a partir daí possamos ter uma máquina pública mais enxuta, mais eficiente”, disse ele.
Em conversa com o Bahia Notícias, o deputado Arthur Maia expressou sua crítica à decisão de Motta de reiniciar o processo. Ele questionou por que não aproveitar a proposta anterior, que, em sua avaliação, está pronta para ser votada. Maia defendeu que é preciso ter clareza sobre o que significa uma reforma profunda para não criar expectativas irreais na população.
“O deputado Hugo Motta foi demandado por um grupo de deputados que quer discutir uma reforma administrativa”, falou Maia. Mas ele fez a ressalva: “é preciso que se diga as coisas com clareza para que as pessoas não criem expectativas à toa”. Maia reforçou que a PEC 32, enviada pelo Executivo e relatada por ele, já foi debatida e votada na comissão, estando pronta para o plenário. “Portanto, claro que o debate de reformar o Estado brasileiro e modernizá-lo é sempre válido, mas eu acho que essas pessoas estão como se fosse a invenção do ovo de Colombo, quando existe uma reforma que foi discutida, debatida e votada”, comparou o parlamentar.
A Condição Essencial para a Reforma
Arthur Maia foi além em sua análise. Ele afirmou que, para ter sucesso, uma reforma administrativa no Congresso Nacional precisa ter a iniciativa do Poder Executivo, ou seja, a chancela do presidente da República, e ser apresentada como um projeto de lei originário dessa esfera de poder.
“O que esse grupo de trabalho vier a discutir não poderá ter continuidade, ou seja, não poderá ser apresentado em forma de um projeto de lei por nenhum deputado”, explicou Maia. Por que essa condição é tão importante? Porque, segundo a Constituição brasileira, a iniciativa para propor uma reforma administrativa cabe exclusivamente ao Poder Executivo. Ele deu exemplos: uma reforma na Bahia só pode ser iniciada pelo governador, em uma prefeitura pelo prefeito, e no Congresso, “só o presidente Lula pode iniciar uma reforma administrativa”.
Ao Bahia Notícias, Arthur Maia detalhou as premissas que nortearam o texto da PEC 32 que ele relatou, defendida até o ano passado pelo então presidente Arthur Lira. Foram três pontos principais, inspirados em práticas de excelência do setor privado: gestão do desempenho das políticas públicas, avaliação do desempenho dos funcionários públicos e flexibilização das contratações de mão de obra.
- Gestão do desempenho: Significa ter métricas claras para avaliar a performance do Estado, otimizar decisões e medir os resultados das políticas públicas.
- Avaliação de desempenho dos funcionários: Essencial para garantir que quem executa o serviço seja competente. Maia destacou que, hoje, mesmo um profissional sem bom desempenho que passou em concurso não é avaliado, forçando a sociedade a conviver com um “mau profissional”. A avaliação proposta na PEC 32 visa não demitir, mas dar oportunidade de aprimoramento para um serviço de qualidade.
- Flexibilização das contratações: Embora não detalhado extensivamente no texto fornecido, complementa a ideia de uma gestão mais ágil e adaptável.
Para o deputado Arthur Maia, qualquer discussão sobre reforma administrativa deveria partir desses três pontos cruciais para garantir a eficiência da máquina pública. Ele concluiu a conversa com a ressalva: “Mas como eu disse, existem aqueles que são mais iluminados, que estão reinventando o ovo de Colombo. Maravilha, tomara que dê certo. Mas a reforma só acontecerá se o presidente da República atual quiser fazê-la, senão ela não existe”.