Um projeto de lei que propõe mudanças significativas na distribuição do Fundo de Arrecadação de Custas Cartorárias (FACC) tem provocado um intenso debate entre diversas entidades públicas e associações de cartórios na Bahia. A proposta, que aguarda a sanção do governador Jerônimo Rodrigues (PT) após aprovação na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), visa alterar os percentuais de repasse dessas receitas.
De acordo com o texto, a participação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) nas arrecadações cartorárias subiria de 1% para 4%. Em contrapartida, a fatia destinada ao Fundo Especial de Compensação (Fecom), responsável por garantir a gratuidade de alguns serviços e a manutenção de cartórios em localidades deficitárias, seria reduzida de 13,2% para 9,2%. A tramitação do projeto ocorreu de forma acelerada, sendo enviado pelo Executivo à AL-BA em 16 de junho, um dia antes de sua apreciação pelos parlamentares.
Divergências sobre o impacto
O MP-BA justifica o aumento de sua cota como fundamental para assegurar sua autonomia financeira e expandir ações de interesse público em todo o estado. Por outro lado, o Fecom e as associações representativas dos cartórios baianos expressam preocupação. Eles alertam que a diminuição da verba pode comprometer a sustentabilidade da gratuidade de serviços cartorários essenciais e inviabilizar a operação de unidades em regiões de menor movimento, que dependem diretamente do fundo de compensação para sua subsistência.
A discussão é marcada por uma “batalha de versões” sobre a real situação financeira do Fecom. Documentos analisados de relatórios anuais do fundo, entre 2022 e 2024, obtidos via portal da transparência, e projeções da Secretaria da Fazenda (Sefaz), apontam um superávit acumulado superior a R$ 30 milhões em apenas dois anos. As mesmas projeções indicam um saldo de caixa de R$ 280 milhões até 2025. Em 2023, por exemplo, o Fecom registrou despesas de R$ 32,8 milhões frente a receitas de R$ 177,7 milhões, o que, para os defensores do projeto, demonstra uma folga orçamentária.
Ainda nesse sentido, argumenta-se que o Fecom não tem como finalidade principal o acúmulo de recursos, mas sim o custeio de serviços específicos. Reajustes anuais das custas e a implementação de políticas estaduais e municipais de regularização fundiária são apontados como fatores que manteriam as projeções de arrecadação em níveis positivos, mesmo com a nova distribuição.
Transparência e Projeções Futuras
Contrariando essa visão, as associações cartorárias apresentam projeções internas que indicam que, sem o crescimento adequado da arrecadação, o saldo do fundo poderia diminuir significativamente, chegando a R$ 42 milhões até 2030. No entanto, análises técnicas da Sefaz, às quais o Bahia Notícias teve acesso, mostram que um crescimento anual de 10% na arrecadação (abaixo da média histórica de 17%) seria suficiente para manter a estabilidade do fundo.
Um ponto que levanta questionamentos é a recente alteração no portal da transparência do Fecom. O site oficial não exibe mais todas as fontes de receita que eram divulgadas anteriormente, como receita excedente do teto, resultado líquido e rendimentos de investimentos financeiros. Atualmente, apenas as receitas diretas de arrecadação (os 13,2% das custas cartoriais) são publicadas, embora registros de anos anteriores comprovem a publicidade dessas informações adicionais no passado.
Desde a aprovação do projeto na AL-BA, entidades ligadas ao sistema de cartórios têm buscado apoio de instituições como o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), a seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) e parlamentares na tentativa de evitar que o governador Jerônimo Rodrigues sancione o texto integralmente. No entanto, a origem do projeto, que partiu do próprio Executivo, torna um eventual veto uma medida incomum.