Se nada mudar, estruturas do Complexo Turístico dos Cânions — incluindo a Prainha da Dulce, principal ponto de embarque — podem ser demolidas. O Incra obteve decisões judiciais de reintegração de posse sobre áreas ocupadas sem regularização e, segundo os processos, o município sabe do problema desde 2021 e não apresentou uma solução efetiva. O impasse coloca em jogo empregos, arrecadação e a própria identidade turística da cidade.
As decisões judiciais do Incra atingem pontos-chave do complexo, entre eles a Prainha da Dulce, de onde partem os passeios pelos cânions do São Francisco. A curto prazo, existe risco real de demolições e paralisação de parte da operação turística. A prefeitura, conforme os autos, foi notificada ainda em 2021 e, mesmo assim, não regularizou as áreas nem construiu uma alternativa jurídica consistente. Não é um episódio isolado: em 2014 já havia reportagens sobre o “impressionante descaso” com o potencial turístico local, citando acesso precário e falta de projetos estruturantes. A gestão atual, no segundo mandato iniciado em 2021, não antecipou o conflito fundiário; mesmo com o boom de visitantes após a inauguração da rodovia Portal dos Cânions, em 2020, o município não blindou juridicamente as estruturas que sustentam o setor.
O risco não é abstrato. Os cânions atraem milhares de visitantes e sustentam uma cadeia que vai de guias e barqueiros a bares, restaurantes e pousadas. Em uma cidade com cerca de 8,5 mil habitantes e apenas 668 empregos formais, uma interrupção do complexo seria um choque social. Do lado das contas públicas, menos turistas significam menos impostos e menos dinheiro circulando — um problema mais pesado num município com PIB per capita de R$ 9,8 mil, bem abaixo da média estadual. Há, ainda, o debate sobre a eficiência de investimentos: a Portal dos Cânions recebeu R$ 5,8 milhões, com pavimento, drenagem, ciclovia e estacionamento. Se as estruturas caírem, parte desse investimento perde função prática. E há o elemento simbólico: Olho d’Água do Casado é conhecida como “Portal dos Cânions do São Francisco” e “Terra do Pôr do Sol Mais Dourado do Mundo”; desmontar o complexo atinge também marca e autoestima locais.
O centro do questionamento é a Prainha da Dulce, a apenas 2 quilômetros do centro, com bar, banheiros e cobertura para proteger do sol — é dali que tudo começa para quem visita os cânions. O Incra também contesta a situação de bares e restaurantes às margens do São Francisco e de estruturas ao longo da rodovia Portal dos Cânions, inclusive estabelecimentos que se beneficiaram do novo acesso aberto em 2020.
A crise se agravou porque, mesmo participando de reuniões regionais de turismo — como a realizada em Delmiro Gouveia, em 2021 —, a prefeitura não consolidou um plano de ação para o passivo fundiário que já estava no radar. Ao mesmo tempo, celebrou inaugurações federais, como o Complexo Arqueológico Nova Esperança, entregue em 2023 com investimento de R$ 985 mil, sem resolver as pendências do próprio quintal. O resultado é a judicialização batendo à porta e correria de última hora.
No pano de fundo, o município arrasta problemas de gestão e finanças. Em 2025, uma decisão judicial bloqueou contas por dívidas herdadas, afetando pagamentos de servidores e fornecedores. Auditorias da CGU apontaram desvio de finalidade, falhas em licitações e contratações sem concurso. Não é detalhe técnico: um planejamento frágil nesse nível transborda para o turismo, que depende de segurança jurídica e previsibilidade para continuar de pé.
Há saída — mas precisa começar já. O primeiro passo é colocar Incra, Prefeitura, Governo de Alagoas e setor privado na mesma mesa para construir uma solução jurídica viável. A regularização fundiária pode vir por concessão de uso, arrendamento ou modelos híbridos previstos em programas federais de destinação de terras. Enquanto isso, é possível pactuar um plano de transição que mantenha a operação turística com metas e prazos claros, amarrados em termos de ajustamento. Transparência ajuda: publicar a linha do tempo das notificações desde 2021, as decisões e as providências adotadas. Onde houve omissão, que se apure e se corrija o rumo. Para o futuro, vale instituir uma política municipal de uso e ocupação turística nas margens do rio e ao longo da rodovia, com licenciamento, compensações ambientais e segurança jurídica para quem investe.
Em resumo, a crise tem causa conhecida — passivo fundiário ignorado — e solução possível — regularização com ponte de operação. O custo da inércia é alto demais: demolições, desemprego e retração econômica. O tempo encurtou. Ou o poder público lidera a solução agora, ou entrega o principal cartão-postal do Sertão a um canteiro de demolição.