Uma megaoperação coordenada por órgãos federais e estaduais desmantelou um esquema de adulteração de combustíveis, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Batizada de “Carbono Oculto”, a ofensiva revelou a infiltração do grupo na cadeia formal de combustíveis e em estruturas do mercado financeiro, com movimentação estimada em mais de R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
A dimensão do caso chamou atenção de autoridades. As investigações apontam a participação de cerca de mil postos em dez estados e um prejuízo tributário de R$ 8 bilhões. Apenas uma fintech usada pela organização teria processado R$ 46 bilhões em transações não rastreáveis no período. Em coletiva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou a capilaridade do esquema: “Se não fosse por isso não teríamos conseguido chegar a mais de mil postos de gasolina, quatro refinarias, mais de mil caminhões à disposição do crime organizado para transportar o combustível – geralmente adulterado”. Para Haddad, o total envolvido pode alcançar “centenas de bilhões de reais”.
Como operava a fraude
O núcleo do esquema estava na importação irregular de metanol pelo Porto de Paranaguá (PR). O produto, tóxico e inflamável, era desviado do destino oficial e distribuído clandestinamente a postos e distribuidoras. Segundo as apurações, houve venda de combustível com até 90% de metanol, quando a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) permite apenas 0,5%. O golpe combinava fraude quantitativa — o motorista recebia menos do que pagava — e fraude qualitativa, com produto fora das especificações.
Além do risco de danos graves a motores e sistemas de injeção, o metanol representa ameaça direta à saúde pública, com potencial de intoxicação e morte.
Lavagem de dinheiro e Faria Lima
A ofensiva também mapeou a lavagem de recursos no sistema financeiro. A facção controlava ao menos 40 fundos de investimento, com patrimônio superior a R$ 30 bilhões, e adquiriu um terminal portuário, quatro usinas de álcool e 1.600 caminhões-tanque. Parte relevante das operações ocorria na região da Faria Lima, em São Paulo, onde 42 endereços foram alvo de mandados. Fundos e fintechs funcionavam como “bancos paralelos” para ocultar a origem do dinheiro. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, classificou a ação como “uma das maiores contra o crime organizado já realizadas mundialmente”.
Impacto no consumidor e no mercado
O caso afetou toda a cadeia econômica. Empresários do setor estimam que cerca de 30% dos postos de São Paulo — algo próximo de 2.500 — apresentavam algum tipo de irregularidade. Há relatos de revendedores que venderam postos, não receberam o valor combinado e foram ameaçados ao tentar cobrar. Fazendeiros e donos de usinas teriam sido coagidos a vender propriedades por valores abaixo do mercado. As fraudes alcançaram postos em São Paulo, Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins.
A força-tarefa reuniu cerca de 1.400 agentes para cumprir mais de 400 mandados em oito estados, em três frentes simultâneas: Carbono Oculto (Ministério Público de São Paulo), Quasar e Tank (Polícia Federal). Até o início da tarde da deflagração, seis dos 14 mandados de prisão haviam sido cumpridos. Houve bloqueio de mais de R$ 3,2 bilhões em bens e valores, apreensão de 141 veículos e sequestro de 1.500 veículos, além de 192 imóveis e duas embarcações. Foram bloqueados integralmente 21 fundos e impostas restrições a 41 pessoas físicas e 255 jurídicas. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ajuizou ações para assegurar créditos tributários que somam R$ 8,67 bilhões.
Resposta do Estado e próximos passos
As autoridades informaram que a investigação segue para aprofundar a cadeia de responsabilidades e rastrear o destino dos valores. Órgãos de fiscalização reforçam que consumidores e empresários podem recorrer aos canais oficiais para denunciar suspeitas de adulteração e fraudes no varejo de combustíveis.