No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, a rotina de comunidades rurais mudou rapidamente desde 2023, quando empresas multinacionais passaram a explorar o lítio na região, segundo relatos e apurações.
O que moradores dizem
Quem vive perto das minas fala de pó, barulho constante e pilhas de rejeito que atrapalham nas coisas mais simples do dia a dia — desde dormir até cozinhar. Moradores também relatam assoreamento de córregos, problemas respiratórios e episódios de assédio atribuídos a trabalhadores que chegam de fora.
«Excesso de poeira, barulho constante – que não para nem dia nem noite, 24 horas por dia, sete dias da semana. A destruição da mata, essas pilhas de rejeito que nos incomodam bastante. O nosso córrego está sendo assoreado devido a essas pilhas de rejeito. Então, nossos problemas aqui são gigantes», disse Ana Cláudia Gomes de Souza, da comunidade rural Piauí Poço Dantas.
Operações e evidências
Na região atuaram a Sigma Lithium (Canadá), responsável pela Mina Grota do Cirilo-Xuxa, e a AMG Critical Materials N.V. (Países Baixos), com operação no município de Nazareno. Relatos e apurações apontam aumento de poeira, ruído contínuo e erosão de cursos d’água por deposição de rejeitos.
A Agência Nacional de Mineração (ANM) registrou um aumento de 83% na produção de lítio em 2023, ligado à operação de empreendimentos no Distrito Pegmatítico de Araçuaí, área que o Serviço Geológico do Brasil indica como de alto potencial para o metal.
«Na região tem muito problemas respiratórios causados pela poeira, muita gente não consegue dormir porque as máquinas da Sigma fazem muito barulho. E prejudicam as mulheres, a gente vê muito assédio acontecendo por parte de trabalhadores de fora que vão para lá», afirmou Uakyrê Pankararu-Pataxó, que vive na Terra Indígena Cinta Vermelha de Jundiba, a cerca de 10 quilômetros da mina.
Reações institucionais
Em setembro, o Ministério Público Federal em Minas Gerais recomendou à ANM a suspensão de autorizações para extração e pesquisa de lítio em Araçuaí e municípios vizinhos e pediu consultas prévias às comunidades afetadas. O pedido se apoia na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige consulta livre, prévia e informada a povos e comunidades tradicionais quando obras impactam seus territórios.
Economia e demanda global
O governo estadual afirma que o programa Vale do Lítio gerou 3.975 empregos e favoreceu a abertura de 6.788 novas empresas desde 2023, além de registrar aumento de 84% na arrecadação de ISS e de 36% no ICMS. A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) diz ter ampliado cursos pelo programa Minas Forma, em parceria com o Senai-MG, para capacitar mão de obra local.
Autoridades também destacam o crescimento da demanda mundial por lítio: estimativas do Banco Mundial apontam uma elevação próxima a 1.000% até 2050. O Ministério de Minas e Energia ressalta que, além de usos industriais tradicionais, o lítio é hoje estratégico para baterias de veículos elétricos e para a transição energética.
Conclusão
O avanço da exploração do lítio no Vale do Jequitinhonha traz um cenário de tensões: ganhos econômicos e novas oportunidades para alguns, e impactos ambientais e sociais sentidos por muitos moradores. Diante disso, autoridades, moradores e empresas seguem em disputa sobre como conciliar produção, direitos e proteção dos territórios.