Uma decisão liminar da Justiça de São Paulo condenou a Prefeitura ao pagamento de R$ 24,8 milhões por não garantir atendimento a mulheres vítimas de violência sexual que buscavam aborto legal em gestações acima de 22 semanas.
O que aconteceu
O problema começou quando o Hospital Vila Nova Cachoeirinha, referência nacional no atendimento a casos complexos, suspendeu o serviço em janeiro de 2024. Na sentença, a juíza Simone Casoretti, da 9ª Vara da Fazenda Pública, concluiu que a Prefeitura deixou de assegurar assistência entre 22 de janeiro de 2024 e 2 de junho de 2025 — um período de 497 dias sem oferta do serviço.
Segundo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, foram apresentados 15 casos concretos de mulheres vítimas de estupro que não foram atendidas, e não houve encaminhamento adequado para outras unidades capazes de realizar o procedimento.
“desobediência institucional reiterada” e “nítido desprezo pelos direitos fundamentais, como a saúde e a dignidade das mulheres vítimas de violência sexual”, escreveu a juíza Simone Casoretti.
“O valor da multa diária é compatível com a gravidade da situação, tem como finalidade garantir a efetividade da jurisdição e a proteção dos direitos fundamentais”, escreveu Casoretti na decisão.
O que isso significa na prática
Significa que a Justiça entendeu que a falta do serviço configurou omissão do poder público, expondo mulheres e adolescentes a risco e sofrimento ao não oferecer alternativas equivalentes ao atendimento encerrado.
Para onde vai o dinheiro
O montante foi destinado ao Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (FEDCA), com a indicação de que os recursos devem ser usados em projetos que atendam crianças e adolescentes vítimas de estupro e garantam o acesso ao aborto legal.
Resposta da Prefeitura
A Prefeitura informou que vai recorrer assim que for intimada e ressaltou que “as decisões técnicas feitas por médicos e profissionais da saúde devem prevalecer sobre questões ideológicas”.
Em nota, a administração também afirmou que o atendimento ao aborto legal permanece na rede pública, com quatro hospitais habilitados:
- Hospital Municipal Cármino Caricchio (Tatuapé)
- Hospital Municipal Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo)
- Hospital Municipal Tide Setúbal (São Miguel Paulista)
- Hospital Municipal Mário Degni (Jardim Sarah)
Contexto legal
No Brasil, o aborto legal é permitido em três situações: gravidez resultante de estupro, risco de morte para a gestante e casos de anencefalia fetal. A decisão considerou que a ausência de estrutura adequada para realizar o procedimento nessas hipóteses constituiu omissão do poder público.
O fechamento do serviço no Vila Nova Cachoeirinha havia sido questionado judicialmente por entidades de defesa dos direitos humanos e pela Defensoria Pública, que alegaram violação de normas federais de saúde pública e riscos para mulheres e adolescentes que ficaram sem alternativas.
Próximos passos
A Prefeitura pode recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Se o recurso for negado, o município deverá pagar a multa e comprovar a retomada do atendimento conforme as diretrizes do Ministério da Saúde.
A decisão busca, na prática, reparar a falta de serviço e garantir que políticas e estruturas essenciais estejam disponíveis para quem mais precisa.