O Brasil ampliou significativamente suas exportações para a Argentina no primeiro semestre de 2025, com um crescimento de 55,4% nas vendas de produtos brasileiros, totalizando US$ 9,1 bilhões. Este movimento ocorre em um cenário de valorização do peso argentino, que tem tornado os bens importados mais acessíveis para os consumidores e empresas do país vizinho.
Entre os principais itens que o Brasil vendeu aos argentinos de janeiro a junho deste ano, destacam-se os veículos de passageiros (21,6% do total), autopeças e acessórios (9,7%), e veículos para transporte de mercadorias (6,4%). Contudo, a ascensão mais notável se deu na comercialização de carne bovina. A exportação brasileira de carne para a Argentina saltou de cerca de US$ 1 milhão no primeiro semestre do ano anterior para expressivos US$ 22,9 milhões no mesmo período de 2025, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) e da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec).
Cenário da Carne e Reações Locais
Apesar do crescimento acentuado em valor, a participação da carne bovina fresca, refrigerada ou congelada brasileira no mercado argentino ainda é modesta, representando 0,25% da cesta total de exportações para o país. Parte dessas aquisições é realizada por frigoríficos estrangeiros que operam na Argentina e tradicionalmente importam carne para compor produtos processados, como hambúrgueres. Em 2025, contudo, uma parcela dessas importações passou a ser destinada também para cortes, segundo representantes do setor na Argentina.
É algo insólito, no país da carne e do churrasco, agora estamos importando esse tipo de alimento do nosso vizinho Brasil. É mais barato importar do que produzir aqui.
Essa declaração, veiculada em um programa do canal de TV Crónica em maio, reflete a surpresa com a inversão de papéis. A diferença de preços contribui para este fenômeno: em março, o quilo da carne brasileira chegava a 9.000 pesos argentinos em cidades da Patagônia, no sul do país, enquanto a carne argentina custava 22.000 pesos, de acordo com a imprensa local. A dona de casa Nérida Arsas, 69, moradora de Buenos Aires, relata que “dependendo do supermercado, a gente encontra pão fatiado brasileiro ou leite uruguaio por preços melhores do que os locais”, evidenciando a busca por produtos importados mais em conta.
Impacto na Economia Argentina
No sentido oposto, as compras brasileiras de produtos argentinos no primeiro semestre cresceram 1,6%, somando US$ 6,2 bilhões, resultando em um superávit comercial de US$ 3 bilhões a favor do Brasil. Este dinamismo comercial ocorre apesar das relações políticas entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Javier Milei não apresentarem maior calor.
De modo geral, a Argentina intensificou suas importações em 2025. Somente no primeiro trimestre, as importações representaram 32% do Produto Interno Bruto (PIB), o percentual mais alto em 135 anos, conforme relatório da consultoria Argendata. Este cálculo engloba também os gastos de turistas argentinos em viagens internacionais. Fatores como a abertura comercial, com redução de tarifas e desregulamentações, e a valorização do peso argentino frente ao dólar tornaram os produtos estrangeiros mais acessíveis. A queda da inflação no país vizinho também contribuiu para a previsibilidade em contratos de importação.
O economista Santiago Bulat, professor da IAE Business School e sócio-diretor da Invecq Consultoria, pondera que o aumento das importações argentinas parte de um nível muito baixo registrado em 2024, período marcado pelas medidas de choque econômico implementadas por Milei. Embora a atividade econômica tenha demonstrado forte crescimento nos primeiros meses de 2025, há sinais de estagnação, com o nível de importações começando a diminuir em julho. Bulat observa que a taxa de câmbio, embora tenha ganhado competitividade, mantém-se em um patamar acessível, fazendo com que setores como têxtil, eletrodomésticos e automotivo enfrentem maior competição de produtos estrangeiros.
Desafios para Empresas Nacionais
Apesar da estabilização macroeconômica, o incremento das importações gerou impactos desiguais nas empresas argentinas, sobretudo nas de pequeno e médio porte (PMEs), muitas das quais perderam competitividade. Mais de 11% das empresas exportadoras cessaram suas vendas ao exterior, e 41,3% das PMEs registraram queda nas vendas internas. A Associação de Pequenas e Médias Empresas Argentinas (IPA) alerta que as medidas de estímulo às importações, apesar de reduzirem preços, não foram acompanhadas por políticas de proteção às PMEs, o que tem contribuído para o aumento do desemprego em setores como o têxtil e o metalúrgico. Santiago Bulat acrescenta que, “por enquanto, esse aumento das importações da Argentina parece sustentável até o fim do ano, embora sem uma reforma tributária forte, alguns setores sofrerão mais do que outros, porque a carga de impostos (especialmente os provinciais) prejudica a competitividade dos produtos fabricados aqui.”