Já pensou tirar a carteira de motorista sem precisar passar por uma autoescola? Pois é, essa ideia que parecia distante está mais perto de virar realidade. O governo federal estuda uma mudança que pode transformar – e dividir – opiniões em todo o país: tornar as autoescolas opcionais para quem deseja tirar a tão sonhada CNH. De um lado, a promessa de facilitar o acesso. Do outro, um alerta: como fica a segurança no trânsito?
Uma Proposta Que Pode Mudar Destinos
Foi o próprio ministro dos Transportes, Renan Filho, quem confirmou nesta terça-feira (29): o governo quer acabar com a obrigatoriedade das autoescolas para quem pretende tirar CNH das categorias A (motocicletas) e B (carros de passeio). O texto já está pronto, só esperando o aval do presidente Lula para ser colocado em prática, sem nem precisar passar pelo Congresso.
Se sair do papel, a novidade deve mexer com a vida de muita gente. Afinal, conseguir a habilitação hoje no Brasil pesa – e muito – no bolso. Segundo dados do governo, o brasileiro desembolsa, em média, R$ 3.215,64 para garantir o documento. Só as autoescolas ficam com cerca de R$ 2.469,35 desse valor. E, dependendo da cidade, a conta sobe ainda mais: em Salvador, por exemplo, pode ultrapassar R$ 4.600.
Renan Filho não esconde o motivo da mudança: “É caro, trabalhoso e demorado. Isso impede que muitas pessoas, principalmente as mais pobres, consigam tirar a habilitação.” Com a nova regra, o custo pode cair até 80%. Para milhões de brasileiros, tirar a primeira CNH pode, finalmente, deixar de ser um sonho distante.
A Realidade de Quem Dirige Sem CNH
Por trás dos números, existe um drama que muita gente conhece de perto. Sabe aquela pessoa que precisa dirigir para trabalhar ou cuidar da família, mas não tem condições de pagar todo o processo? Pois é, são cerca de 20 milhões de brasileiros rodando sem carteira, segundo estimativas do próprio governo. Em cidades de médio porte, quase metade da população dirige na informalidade – e, entre as mulheres, esse número é ainda maior.
E tem mais: o peso da desigualdade aparece até na hora de escolher quem da família vai tirar a CNH. “Quando a família consegue juntar dinheiro, normalmente opta por habilitar os meninos, o que cria uma exclusão enorme de gênero”, observa o ministro. Não à toa, o valor cobrado chega a ser comparado ao preço de uma moto usada. Quem nunca ouviu alguém dizer: “Ou compro a moto, ou tiro a carteira”?
Para os jovens, o cenário é desafiador. No estado de São Paulo, o interesse pela primeira habilitação entre pessoas de 18 a 30 anos caiu mais de 10% – principalmente por causa do custo. O resultado? Muita gente acaba perdendo oportunidades de trabalho porque não consegue atender uma exigência simples: ter a CNH.
E a Segurança, Como Fica?
Mas, calma lá. Nem todo mundo está animado com a proposta. Especialistas em trânsito soam o alarme: liberar a CNH sem formação adequada pode aumentar o risco nas ruas. Os dados assustam. Só no Rio Grande do Sul, quase 30% dos motociclistas mortos em acidentes entre 2018 e 2021 não tinham habilitação. Em Porto Alegre, mais de um terço das vítimas fatais em 2021 dirigiam sem CNH ou com o documento vencido. No Piauí, 75% dos motociclistas envolvidos em acidentes graves não eram habilitados.
Paulo Ramires, que comanda a EPTC de Porto Alegre, faz um alerta direto: “Quem não passa pelo processo de habilitação, não aprende direção defensiva, não conhece a legislação nem faz o teste psicológico.”
Autoescolas em Alerta: Tradição ou Mudança?
Se de um lado a proposta pode ajudar milhões de brasileiros, do outro, ameaça um setor que movimenta cerca de R$ 12 bilhões ao ano e emprega milhares de pessoas. Para Celso Alves Mariano, do Portal do Trânsito, abrir mão das autoescolas seria perder a principal porta de acesso à educação de trânsito. “O curso de primeira habilitação é, muitas vezes, o único momento em que a pessoa tem contato real com esse tipo de educação”, reforça.
As autoescolas brasileiras, representadas pela Feneauto, atendem até 4 milhões de alunos por ano. E os instrutores não cansam de defender seu papel: seja na sala de aula, seja no pátio, eles garantem que sua presença é fundamental para formar motoristas mais conscientes.
Por Trás dos Números: Histórias Que Inspiram
Por trás de todo esse debate, há histórias que mostram o poder de uma oportunidade. Na Bahia, o programa “CNH da Gente” tem mudado vidas ao oferecer a carteira de graça para jovens de baixa renda. Para muitos deles, a habilitação é o passaporte para o primeiro emprego e uma nova perspectiva de futuro.
“É uma oportunidade incrível, porque muita gente, como eu, simplesmente não teria como pagar a CNH”, conta Maria Clara Portela, estudante beneficiada pelo programa.
Mais que um documento, a CNH é, para milhões, o símbolo de independência e, principalmente, a chance de transformar a própria vida.
Olhando Para Fora: O Que o Mundo Faz?
A ideia de tornar as autoescolas opcionais não surgiu do nada. O ministro Renan Filho aponta exemplos internacionais para defender a proposta. “O Brasil é um dos poucos países que exige um número fixo de horas-aula para o exame”, explica. No Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo, adultos podem aprender a dirigir com amigos ou familiares, desde que respeitem algumas regras básicas. Os exames continuam rígidos, mas há flexibilidade na preparação.
O Dilema: Economia ou Segurança?
No fim das contas, a proposta mexe com dois pontos sensíveis: o bolso e a segurança. O setor das autoescolas teme perder empregos e ver a formação dos motoristas enfraquecida. Já o governo aposta que o dinheiro economizado pode girar a economia e abrir portas para quem hoje está de fora.
“A autoescola boa vai continuar. O mercado vai decidir quem é eficiente”, rebate o ministro, defendendo que a concorrência pode, inclusive, melhorar a qualidade dos cursos.
E Agora, Brasil?
Tudo ainda depende do aval final do presidente Lula. Se aprovada, a medida vale, a princípio, para motos e carros de passeio, mas pode se expandir depois. Uma coisa não muda: quem quiser tirar a CNH seguirá obrigado a passar nos exames do Detran. E, se quiser treinar na rua, terá que ser acompanhado por um instrutor credenciado – nada de improvisar.
No fundo, o debate é sobre um equilíbrio delicado: como garantir mobilidade e oportunidade para todos, sem colocar em risco a vida nas estradas e ruas do país? A resposta não é simples. Mas o impacto – seja qual for a decisão – vai ser sentido por milhões de brasileiros que veem na CNH muito mais do que um documento: veem a chance de mudar de vida.