Uma pesquisa recente divulgada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Instituto Datafolha, aponta que 29% dos cuidadores de crianças na primeira infância, que abrange o período até os seis anos de idade, ainda recorrem a castigos físicos como método disciplinar. Esse dado se mantém apesar da proibição expressa pela legislação brasileira em vigor desde 2014. O estudo “Panorama da Primeira Infância: O que o Brasil sabe, vive e pensa sobre os primeiros seis anos de vida” também revelou que, entre esses, 13% admitem utilizar a prática de forma frequente.
Percepções e Métodos de Disciplina
O levantamento, que entrevistou 2.206 pessoas em todo o Brasil, incluindo 822 responsáveis diretos por crianças na faixa etária analisada, detalhou as percepções dos cuidadores. Cerca de 17% consideram os castigos físicos eficazes, enquanto 12% admitem a agressão mesmo reconhecendo sua ineficácia. Gritos e brigas são citados por 14% dos entrevistados como métodos disciplinares empregados.
A Lei nº 13.010/2014, conhecida como Lei da Palmada, proíbe qualquer forma de castigo físico ou tratamento cruel contra crianças e adolescentes. A norma, que entrou em vigor há quase uma década, prevê medidas socioeducativas para os responsáveis. Sua criação foi inspirada no caso de Bernardo Boldrini, criança morta aos 11 anos após sofrer maus-tratos no Rio Grande do Sul.
“A gente é o país do ‘eu apanhei e sobrevivi’. Um país que vê a criança como inferior”,
afirmou Mariana Luz, diretora-executiva da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em entrevista à Agência Brasil, criticando a manutenção de padrões culturais enraizados. Ela complementou que tais agressões
“Não ajuda e não resolve”
como método educativo.
Impacto dos Castigos e Desconhecimento da Infância
A pesquisa também explorou a percepção dos agressores sobre os resultados de seus atos. Enquanto 40% dos que praticam agressões acreditam que elas geram maior respeito à autoridade, 33% reconhecem que os castigos físicos podem levar a comportamentos agressivos na criança. Adicionalmente, 21% admitem que a prática pode resultar em baixa autoestima e falta de confiança.
Em contraste, a maioria dos cuidadores adota métodos mais positivos, com 96% utilizando diálogo e explicação sobre o erro, e 93% buscando acalmar a criança e retirá-la de situações de conflito.
Outro ponto crítico levantado pelo estudo é o desconhecimento generalizado sobre a importância da primeira infância. Apenas 2% dos entrevistados souberam definir corretamente o período (do nascimento até os seis anos). Mais expressivamente, 84% desconhecem que esta é a fase mais crucial para o desenvolvimento humano.
A Importância da Primeira Infância
Mariana Luz reforçou a relevância desse período, destacando que é nos primeiros seis anos de vida que se formam 90% das conexões cerebrais, com aproximadamente um milhão de sinapses ocorrendo por segundo no cérebro infantil. Segundo a diretora,
“Todos os picos do desenvolvimento físico, motor, cognitivo e socioemocional acontecem nos primeiros seis anos”.
Contrariando as evidências científicas, 41% dos entrevistados acreditam que o maior desenvolvimento ocorre na vida adulta, e 25% apontam a adolescência como a fase de maior desenvolvimento.
Para Mariana Luz, é fundamental ampliar o debate público e as campanhas de conscientização sobre a primeira infância. Ela mencionou estudos do economista e Prêmio Nobel James Heckman, que indicam um retorno social de até sete dólares para cada dólar investido na primeira infância, com ganhos perceptíveis em áreas como educação, saúde, segurança pública e geração de renda.