A relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos, que se estende por mais de dois séculos desde o reconhecimento da independência brasileira em 1824, atravessa atualmente um período de acentuada erosão. A dinâmica, caracterizada por vaivéns estratégicos e ideológicos, observa o que muitos consideram o mais significativo desgaste desde a redemocratização brasileira nos anos 1980.
As declarações do ex-presidente norte-americano Donald Trump, e as insinuações que as acompanham, contribuem para fragilizar os laços e intensificar a tensão entre Brasília e Washington. Este cenário, embora cause apreensão, não representa a mais grave crise já enfrentada pelas duas nações.
Crises históricas e espionagem
O ponto mais baixo registrado na relação ocorreu com o apoio das administrações de John F. Kennedy (1961-1963) e Lyndon B. Johnson (1963-1969) ao golpe militar de 1964, um ataque direto à democracia brasileira. Anteriormente, Getúlio Vargas, mesmo após fornecer apoio aos Aliados na Segunda Guerra Mundial e abrir bases militares, enfrentou pressões para encerrar o Estado Novo em prol da abertura democrática, marcando uma virada na postura americana.
Mais recentemente, em 2013, a divulgação de documentos confidenciais pelo site WikiLeaks revelou que a Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) havia espionado a então presidente Dilma Rousseff, seus assessores, ministros e a Petrobras. O episódio levou ao adiamento de uma visita oficial de Dilma ao então presidente Barack Obama. A situação foi gradualmente superada após Obama revisar os protocolos da NSA, visando, em tese, a proteção de aliados.
Alinhamento e atritos recentes
A eleição de Donald Trump em 2016 nos Estados Unidos e de Jair Bolsonaro em 2018 no Brasil marcou uma nova inflexão. A diplomacia institucionalizada deu lugar a uma relação de cunho quase pessoal, pautada por agendas conservadoras, negacionismo ambiental e discursos antiglobalistas. O alinhamento ideológico entre os dois líderes ressoou a retórica de ataque ao sistema eleitoral e às instituições democráticas observada no Brasil entre 2019 e 2020.
O breve período entre 2023 e 2024, com Joe Biden na presidência dos EUA e Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, representou uma tentativa de restabelecer as relações diplomáticas equilibradas construídas nas últimas quatro décadas. No entanto, o possível retorno de Trump ao poder em 2025 ameaça os esforços de reaproximação. Especialistas apontam que a postura combativa de Trump, marcada por ameaças de tarifas comerciais a aliados históricos, reflete mais alinhamentos ideológicos do que a defesa da autoridade nacional, enquanto Lula prioriza a soberania para proteger a economia brasileira. A tensão atual sugere que a diplomacia é o caminho essencial para a desescalada.