Em poucas semanas, o Reino Unido sofreu dois grandes recuos em investimentos no setor farmacêutico que chamaram atenção: primeiro a suspensão de uma expansão da AstraZeneca em Cambridge; antes disso, a Merck & Co (conhecida na Europa como MSD) já havia anunciado outro corte maior.
O anúncio da AstraZeneca
A empresa comunicou, por meio de um porta‑voz à agência Reuters, que estava reavaliando suas necessidades de investimento e que a expansão em Cambridge — um plano de £200 milhões — foi suspensa. A companhia não entrou em detalhes nem confirmou se a decisão tinha relação com a ação anterior da Merck.
Representantes da AstraZeneca informaram que a expansão em Cambridge foi suspensa enquanto a companhia revisava seus planos de investimento, sem fornecer detalhes adicionais.
O pacote de investimentos
Esse corte em Cambridge fazia parte de um pacote anunciado anteriormente, no total de £650 milhões no Reino Unido, dividido em duas frentes:
- £450 milhões destinados a pesquisa, desenvolvimento e fabricação de vacinas em Speke, Liverpool — um projeto apontado para operar com emissões neutras e energia renovável;
- £200 milhões planejados para ampliar a presença em Cambridge, com a expectativa de empregar cerca de 1.000 pessoas.
O movimento da Merck (MSD)
Antes da AstraZeneca, a norte‑americana Merck & Co havia informado a suspensão de uma expansão estimada em £1 bilhão no Reino Unido, alegando falta de investimentos governamentais suficientes para o setor.
A empresa também disse que, até o final do ano, desocuparia laboratórios no London Bioscience Innovation Centre e no Francis Crick Institute, o que resultaria em pelo menos 125 empregos perdidos. Além disso, o novo espaço em King’s Cross, com conclusão prevista para 2027, não seria mais ocupado pela companhia.
Contexto e efeitos
Dados da Associação da Indústria Farmacêutica Britânica (ABPI) mostravam que, desde 2018, o investimento em P&D farmacêutico no Reino Unido vinha atrás das tendências globais. Houve uma desaceleração a partir de 2020: o crescimento do Reino Unido caiu para 1,9% ao ano, bem abaixo da média global de 6,6%, e o investimento da indústria em P&D caiu em quase £100 milhões em 2023.
Autoridades relacionaram parte desse movimento a pressões externas: com a ameaça de tarifas sobre importação de medicamentos anunciadas pelo então presidente dos Estados Unidos, algumas empresas passaram a concentrar investimentos novamente nos EUA. O ministro da Ciência do Reino Unido, Ian Murray, classificou a decisão da MSD como profundamente decepcionante e de caráter comercial, destacando cortes de custos significativos informados pela própria empresa.
Contexto político
Os anúncios aconteceram dias antes da visita do então presidente Donald Trump ao gabinete do primeiro‑ministro Keir Starmer, quando discutiram um possível acordo para desenvolver projetos de energia nuclear. O governo britânico afirmou que a expansão da energia nuclear fazia parte da estratégia para aumentar a produção doméstica de energia limpa e garantir segurança energética.
O que tudo isso significa na prática? Menos investimentos prometidos, incerteza sobre empregos e projetos de pesquisa, e um sinal de alerta sobre a competitividade do Reino Unido para atrair grandes investidores farmacêuticos.
O então presidente‑executivo da AstraZeneca, Sir Pascal Soriot, havia declarado anteriormente que a companhia continuaria a apoiar o Reino Unido na promoção da inovação e no acesso de pacientes, ressaltando o orgulho pelas raízes britânicas.
Em resumo: a AstraZeneca suspendeu £200 milhões em Cambridge, e a Merck (MSD) já havia suspendido uma expansão de £1 bilhão — movimentos que levantam dúvidas sobre o rumo dos investimentos farmacêuticos no país.