A Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC) pediu ao governo federal a revogação da Instrução Normativa que permitiu a importação de cacau da Costa do Marfim. Segundo a entidade, a medida trouxe impactos econômicos relevantes e criou riscos à segurança fitossanitária do país.
Por que a ANPC reclama
Na avaliação da presidente da ANPC, Vanusa Barrozo, a norma editada em 2021 tinha como efeito priorizar interesses de grandes empresas em detrimento da base produtora nacional. Barrozo citou a participação da então ministra Teresa Cristina no processo e apontou que corporações como Barry Callebaut, Cargill e OFI vinham comprando diretamente no exterior e já dispunham de estrutura industrial para processar o cacau.
“Foi uma liberação irresponsável. A própria previsão de safras foi retirada, deixando a indústria livre para importar o quanto quiser. Analisamos o processo e constatamos que o Ministério da Agricultura desconsiderou leis de defesa fitossanitária nacionais e internacionais, além de princípios constitucionais. A normativa é irregular”, afirmou Vanusa Barrozo.
Volumes e ritmo das importações
Para dimensionar o problema, a ANPC informou números claros:
- Em 2025 já foram importadas 56,5 mil toneladas de cacau.
- Há previsão de chegada de mais 60 mil toneladas até novembro.
- Os embarques devem ocorrer em lotes mensais de cerca de 12 mil toneladas.
Essa entrada rápida de produto estrangeiro, diz a associação, age como uma maré sobre os preços locais.
“Esse cacau é o mais barato do mundo, muitas vezes produzido em condições de trabalho análogas à escravidão, com tráfico de crianças na África”, disse Vanusa Barrozo, apontando ainda preocupações sociais ligadas à origem do produto importado.
Queda de preços e impacto na ponta
Segundo a ANPC, a concorrência externa levou a uma forte queda nas cotações pagas aos produtores. A arroba, que chegou a ser cotada em cerca de R$ 1,2 mil no ano anterior, caiu para valores próximos de R$ 300 em curto espaço de tempo.
“No ano passado, a arroba chegou a R$ 1,2 mil. Hoje, não passa de R$ 300. Em dois meses e meio, o preço caiu pela metade. Essa instabilidade impede qualquer planejamento dos produtores”, declarou Vanusa Barrozo.
Efeitos locais e estrutura de apoio
A associação destacou impactos diretos em municípios do Sul da Bahia, como Ilhéus e Itabuna, onde a economia e a arrecadação dependem da cadeia do cacau. A ANPC também criticou o enfraquecimento da Ceplac, apontando falta de estrutura e de respaldo político para atender, sobretudo, produtores familiares.
“A Ceplac está sucateada, sem estrutura e sem respaldo político. O produtor de cacau, que é em sua maioria agricultor familiar, não tem sido prioridade nas políticas do governo”, afirmou Vanusa Barrozo.
O que a ANPC tem feito
Para reverter o cenário, a entidade buscou reuniões com o ministro‑chefe da Casa Civil, Rui Costa, e com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, mas relatou dificuldades de acesso. A ANPC também articulou mobilização de prefeitos e consórcios municipais, como a Amurc e o Ciapra, para levar uma comitiva a Brasília.
Além disso, uma audiência pública realizada em março reforçou a necessidade de revisar a Instrução Normativa. Como próximos passos, a ANPC mantém a tentativa de reuniões ministeriais e o acompanhamento das remessas previstas até novembro.
Como ficam, afinal, os produtores locais diante dessa combinação de importações em grande volume e queda abrupta de preços? Para a ANPC, a solução passa por revisão da norma e reforço das políticas públicas que protejam a produção nacional.

