Uma proposta legislativa do Partido Liberal (PL) para conceder anistia a indivíduos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro de 2023, incluindo os ataques às sedes dos Três Poderes, está gerando debates e levanta comparações com períodos críticos da história republicana do Brasil. De acordo com estudiosos da história do direito, a iniciativa ecoa ao menos dois episódios de anistia que precederam o golpe militar de 1964, marcados por instabilidade política e crises constitucionais.
As versões em articulação do projeto de anistia podem abranger o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus acusados de orquestrar a trama golpista. O tema será um dos pontos centrais de uma manifestação de aliados do ex-presidente, prevista para este domingo (29) na Avenida Paulista, em São Paulo.
Contexto Histórico e Similitudes
A proposta em discussão apresenta semelhanças significativas com anistias aprovadas em maio de 1956 e por decreto em dezembro de 1961. Raphael Peixoto, professor da pós-graduação em direito da Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa) e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), destaca que esses momentos históricos:
“se assemelham muito ao que vemos hoje porque são crises constitucionais vinculadas à disputa pela Presidência.”
Peixoto, especialista em anistias políticas no período republicano, argumenta que tanto os episódios de 1956 e 1961 quanto a atual proposta refletem um modus operandi comum: a “estratégia de conciliação intra-elites para lidar com essas crises que violam a Constituição do país”. Ele enfatiza que, historicamente, tais anistias “têm um sentido de impunidade de militares e civis que atentaram contra a Constituição”.
Anistias Anteriores: 1956 e 1961
A anistia de 1956, aprovada com o apoio do então presidente recém-empossado Juscelino Kubitschek (JK), perdoou oficiais da Aeronáutica envolvidos na Revolta de Jacareacanga. Este motim, ocorrido na cidade paraense, tentou derrubar o governo de JK. Além disso, a medida também anistiou participantes do contragolpe de novembro de 1955, conhecido como Novembrada, que derrubou o presidente interino Carlos Luz, visando garantir a posse de JK, mas que se valeu de meios inconstitucionais.
Já o decreto de anistia de 1961 foi promulgado após a renúncia de Jânio Quadros e a resistência de ministros militares à posse do vice-presidente João Goulart (Jango), acusado de ser comunista. Apesar do movimento para impedir a posse de Jango não ter sido totalmente bem-sucedido, o parlamentarismo foi adotado como solução intermediária, reduzindo os poderes presidenciais de Goulart. A anistia então permitiu que os chefes das Forças Armadas, que agiram inconstitucionalmente, saíssem ilesos. Essa anistia também beneficiou os envolvidos na Revolta de Aragarças (1959), que também tentou derrubar o governo JK.
Perspectivas Atuais e Implicações
O professor Diego Nunes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e organizador do livro “Crimes Contra o Estado Democrático de Direito”, observa que os casos de 1956 e 1961 “refletem o descontentamento de um determinado grupo político que se vê, de alguma maneira, alijado do poder”. Ele aponta que a proposta atual se assemelha à anistia de 1979 na ideia de “autoanistia”, beneficiando grupos com força política relevante no Congresso.
A denúncia contra o ex-presidente Bolsonaro inclui a discussão de minutas para reverter resultados eleitorais e medidas como estado de defesa. Os envolvidos nos atos de 8 de janeiro visavam, segundo a investigação, criar um cenário de caos para motivar uma intervenção militar. A professora de direito penal da FGV, Raquel Scalcon, esclarece as diferenças entre os institutos jurídicos: a anistia extingue a punibilidade de um fato e seus efeitos secundários, como a inelegibilidade; o indulto beneficia um grupo; e a graça, indivíduos específicos. A anistia é competência do Congresso, enquanto indulto e graça são do presidente da República.