Quem não se lembra de Raiane Barbosa?
A jovem que sobreviveu a um tiro na cabeça – e ainda teve forças para perdoar o agressor diante do tribunal – nos deixou neste sábado, 19 de julho. Ela tinha apenas 26 anos e morava em Paulo Afonso, no norte da Bahia. A notícia, publicada pela ONG Unidos Somos Mais, encerra uma história de dor e, ao mesmo tempo, de uma coragem que mobilizou todo o estado.
De festa de aniversário a cena de horror
Era 28 de junho de 2022, dia de comemorar mais um ano de vida na casa da mãe. A celebração, porém, virou pesadelo. Raiane, grávida de quatro meses de seu ex-companheiro José Ronaldo Galdino dos Anjos, trocava carinhos inocentes com o então namorado, José Alberto da Conceição, quando José Ronaldo, tomado pelo ciúme, pegou a espingarda do pai e voltou para o quintal. Ele atirou à queima-roupa na cabeça da jovem; José Alberto conseguiu fugir. A bala ficou alojada no crânio de Raiane, que foi levada às pressas para um hospital em Petrolina.
Três anos de luta – e muitas sequelas
Meses de coma, infecções, idas e vindas hospitalares. Quando despertou, Raiane já não andava, falava com dificuldade e carregava sérios déficits cognitivos. De volta a Paulo Afonso em 2024, dependia integralmente da mãe até para as tarefas básicas. Ainda assim, quem a visitava saía impressionado com a vontade de viver estampada no olhar.
Um julgamento para entrar nos livros de História
José Ronaldo fugiu, mas foi preso em Alagoinhas pouco mais de um mês depois. Em outubro de 2024, o júri da 1ª Vara Criminal de Paulo Afonso o condenou a 21 anos de reclusão por tentativa de feminicídio qualificado. A cena que ninguém esquece veio após a leitura da sentença: Raiane, com voz frágil porém firme, disse que o perdoava. O réu chorou. O plenário também. Quem diria que, em meio a tanta violência, caberia um gesto tão gigantesco?
O adeus a um símbolo de resistência
Desde o ataque, Raiane virou referência para mulheres que sofrem violência doméstica. A ONG Unidos Somos Mais, que esteve ao lado dela desde o primeiro dia, resumiu o sentimento em poucas palavras: “Hoje o céu ganhou mais uma estrela”. Ainda não há detalhes sobre velório e sepultamento, mas a expectativa é de que Paulo Afonso pare para se despedir.
Violência que insiste em manchar a Bahia
Os números chocam: entre 2017 e 2024, o estado registrou 790 feminicídios – uma mulher morta a cada três dias. Em 84 % dos casos o agressor é parceiro ou ex-parceiro; em 72 %, o crime acontece dentro de casa. Em Paulo Afonso, a Operação Ronda Maria da Penha e a DEAM trabalham 24 horas, mas o desafio permanece gigante.
Por que a história de Raiane importa?
Porque ela expõe, de forma brutal, a urgência de políticas públicas que protejam quem mais precisa. Porque lembra que o “lar” pode deixar de ser abrigo e virar campo de batalha. E, acima de tudo, porque mostra que, mesmo ferida, uma mulher pode erguer a cabeça – literalmente – e escolher o perdão, sem abrir mão da Justiça.
Raiane se foi, mas o legado fica: um chamado para que sociedade, governo e cada um de nós não fechemos os olhos. Afinal, quantas “Raianes” ainda precisam gritar para serem ouvidas?