Na porta da UPA, o clima era de urgência. Uma jovem de 25 anos desembarca de um carro de aplicativo, nos braços, um bebê enrolado em manta. Ela pede pressa. Diz ao motorista: “Muita dor”. O relógio marca quase 23h em Guanambi, no centro-sul da Bahia. O pedido de socorro não era para uma criança de verdade, mas para um bebê reborn — boneca hiper-realista que imita um recém-nascido.
A cena chamou atenção de quem aguardava atendimento. Uma senhora, já conhecida da família, se aproxima. Estranha o rosto coberto. Levanta o pano. Só então percebe: não é um bebê, é um boneco de borracha. O caso, confirmado pela prefeitura, foi imediatamente comunicado à direção da unidade de saúde, que atende cerca de 200 pessoas por dia.
“Era uma criança bem realista, só reconheci depois que levantei o paninho do rosto. Conheço toda a família, pessoas dignas e empresários locais. Fomos vizinhos e sei da situação de saúde dela, que sofre com problemas de depressão e saiu de casa sem o conhecimento de todos”, relatou a testemunha à prefeitura.
A jovem, segundo familiares, adquiriu a boneca pela internet há cerca de um mês, pagando R$ 2,8 mil. Eles informaram que ela enfrenta um quadro de depressão e já buscam acompanhamento profissional para a saúde mental da jovem.
O motorista do aplicativo também ficou surpreso. Ele só entendeu a situação ao retornar com a passageira para casa, onde foi recebido pelos pais e irmão da jovem, que já aguardavam preocupados.
“Só fui entender mesmo tudo, depois que voltamos para a casa dela e fomos recebidos pelos pais e irmão da passageira, que já aguardavam de frente à residência, e me relataram toda a situação”, contou o motorista.
Os bebês reborn são confeccionados artesanalmente para se parecerem ao máximo com bebês reais. O processo, chamado de reborning, envolve pintura detalhada, aplicação manual de fios de cabelo e uso de materiais como vinil ou silicone de alta qualidade, o que garante o realismo das peças.
O episódio reacende debates sobre o uso de bonecos hiper-realistas em serviços públicos. No Brasil, tramitam projetos de lei que propõem desde multas para quem tenta atendimento prioritário com bebês reborn até a proibição do atendimento em unidades públicas e privadas de saúde. Outras propostas sugerem acolhimento psicossocial para pessoas que desenvolvem vínculos afetivos intensos com objetos de representação humana, além de orientação para familiares sobre sinais de alerta relacionados ao uso compulsivo desses objetos.
A direção da UPA de Guanambi foi informada do caso, mas não houve atendimento médico, já que não se tratava de uma emergência real. A família segue em busca de apoio especializado para a jovem.