Cláudio Crespi, 55, segue em recuperação após quadro grave de intoxicação por metanol. Sem o antídoto específico disponível na admissão, equipe da UPA Vila Maria, em São Paulo, utilizou etanol — o mesmo álcool presente em bebidas — de forma controlada, sob protocolo do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox), enquanto o paciente também passava por hemodiálise. O caso ocorreu após consumo de bebida entre a capital e Guarulhos no fim de setembro.
Segundo relatos da família, uma garrafa de vodca russa lacrada foi levada ao serviço e administrada no ambiente hospitalar por alguns dias, medida reconhecida em emergências quando não há fomepizol, antídoto de escolha para intoxicação por metanol.
“O hospital não tinha o antídoto. Eu fui buscar uma vodca em casa. Estava fechada. Eu e meu marido não bebemos, e a vodca russa estava em casa fechada e pronta para o meu tio usar. Na hora do desespero, a médica pediu um destilado e lembramos que tinha essa em casa”, disse Camila Crespi, sobrinha de Cláudio
A Secretaria Municipal da Saúde informou que o procedimento seguiu orientação técnica para impedir a metabolização do metanol em compostos tóxicos, etapa responsável por causar lesões graves, inclusive no nervo óptico. O paciente despertou do coma em 2 de outubro e deixou a UTI quatro dias depois, mantendo sequelas visuais, com cerca de 10% da visão preservada.
“Protocolo reconhecido e utilizado em situações emergenciais com bons resultados clínicos. O procedimento foi acompanhado por um familiar que também é médico. A administração do antídoto (o próprio etanol) deve ser realizada em um equipamento de saúde, para impedir que o corpo transforme o metanol em substâncias tóxicas”, detalhou a pasta, em nota.
Especialistas explicam que o etanol compete pela mesma enzima que metaboliza o metanol no fígado, retardando a formação de formaldeído e ácido fórmico — substâncias responsáveis por acidose metabólica, dano neurológico, cegueira e risco de morte. Em centros que dispõem do antídoto específico, o fomepizol é preferido; quando indisponível, o etanol pode ser utilizado conforme protocolos, associado a hemodiálise e correção metabólica.
O caso de Crespi ocorre em meio a um aumento de notificações de intoxicação por metanol associadas a bebidas adulteradas no estado de São Paulo. Boletins recentes registram mortes confirmadas, pacientes em estado grave e dezenas de investigações em curso. A Polícia Civil identificou uma fábrica clandestina na Grande São Paulo e apreendeu lotes de bebidas suspeitas; decisões judiciais determinaram a destruição de milhares de vasilhames apreendidos. As suspeitas incluem o uso de etanol adulterado com metanol em destilados como vodca e gin.
No plano federal, o Ministério da Saúde informou a aquisição e distribuição de estoques emergenciais de etanol farmacêutico e fomepizol para reforçar a rede hospitalar. Em 9 de outubro, mais de 2 mil doses de fomepizol chegaram ao centro de distribuição em Guarulhos, com compras totais de 2,5 mil unidades por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Balanços nacionais recentes relataram mais de uma centena de registros entre casos confirmados e suspeitos em diversos estados, com distribuição de antídotos e ativação de gabinetes de crise.
As autoridades de saúde reforçam a necessidade de procurar atendimento imediato ao surgimento de sintomas após a ingestão de bebidas destiladas, como dor abdominal intensa, náuseas, vômitos, tontura, confusão mental, taquicardia e alterações visuais como visão turva e fotofobia. Serviços de urgência adotam protocolos de triagem e tratamento específicos para intoxicação por metanol, com janela de eficácia maior nas primeiras horas e até 72 horas após a ingestão, conforme a clínica e exames laboratoriais.
No caso de Cláudio Crespi, a combinação de atendimento rápido, uso controlado de etanol conforme protocolo, hemodiálise e suporte intensivo resultou em melhora clínica e alta da UTI, com acompanhamento para sequelas visuais. Em paralelo, o Ministério da Saúde iniciou a distribuição de antídotos e o governo de São Paulo mantém operações de fiscalização e apreensão de bebidas suspeitas enquanto a Polícia Civil investiga a origem das adulterações.
