Pesquisadores, lideranças de agremiações e a Câmara Municipal de Salvador voltaram a conversar sobre um capítulo da cidade que muita gente desconhece: a memória das escolas de samba e a ideia de criar um sambódromo. A proposta ganhou novo fôlego depois do levantamento histórico do projeto Memórias do Reinado do Momo e da aprovação, em 24 de setembro de 2025, do Pedido de Indicação PI 381/2025, que sugere estudar um espaço no Comércio para desfiles.
Memória e origem
O resgate apontou que as escolas de samba apareceram em Salvador no final da década de 1950, vindo de um caldo cultural formado por batucadas, cordões e blocos. Havia influência do Rio e de São Paulo, mas o resultado foi um formato próprio de desfile e música. A primeira agremiação considerada baiana nasceu em 1957: as Ritmistas do Samba, na Ladeira da Preguiça.
Entre 1950 e 1975, o mapeamento registrou 25 escolas de samba, embora reportagens da época citem até cinquenta agremiações ao longo do período. Nos anos 1960, os desfiles pelo circuito entre Campo Grande e Rua Chile chegaram a ocupar capas dos principais jornais da cidade.
Mudanças no Carnaval
Antes das escolas, grupos como os Mercadores de Bagdá já tinham levado carros alegóricos e fantasias mais elaboradas para a rua — coisas que antes eram quase exclusivas da elite. As batucadas já usavam agogô, tamborim, pandeiro, cuíca e ganzá, e nomes como Ederaldo Gentil, Nelson Rufino e Valmir Lima se firmaram nesse cenário nas décadas de 1960 e 1970.
A partir dos anos 1970, o Carnaval de Salvador mudou: os trios elétricos se consolidaram e o público passou a buscar participação direta nas ruas. As escolas de samba sentiram a diferença na prática — problemas técnicos, falta de sonorização equivalente aos trios e corte de verbas públicas dificultaram a manutenção das estruturas. O último desfile oficial registrado no Carnaval de Salvador foi em 1985, com a escola Bafo da Onça, da Liberdade.
O que as escolas pedem
O documento aprovado na Câmara pede estudos para um espaço fixo, mas não traz um mapeamento detalhado das agremiações nem um diagnóstico das necessidades dos sambistas. Por isso, pesquisadores e dirigentes defendem que qualquer projeto precisa sair da gaveta só depois de ouvir as comunidades envolvidas.
Entre as demandas apontadas estão ações contínuas, como profissionalização e apoio social, além de visibilidade. Dirigentes de escolas ativas — como a Unidos de Itapuã, a Filhos da Feira e o Diamante Negro — reclamam da falta de políticas permanentes. Querem, por exemplo:
- cursos para costureiras que confeccionam fantasias;
- formação para percussionistas;
- apoio para a sustentabilidade social das agremiações.
Como resume Avani de Almeida, presidente da Filhos da Feira: “Escola de samba não para. O trabalho social não, mas o do carnaval a gente também, a gente começa cedo… Seria interessante que apresentassem propostas para a profissionalização das costureiras, por exemplo, para confecção das fantasias, cursos para percussionistas… Porque a gente não faz uma festa de graça”.
A pesquisadora Caroline Fantinel reforça a necessidade da escuta: “Eu só consigo entender que ele pode ser importante a partir de uma escuta à classe de sambistas da cidade de Salvador. São essas pessoas que devem dizer do que elas precisam”.
Alguns dirigentes sugerem ainda pensar em espaços mais amplos, que contemplem outras manifestações além do samba. Nailtom Maia, gestor da Unidos de Itapuã, defende abrir espaço para diferentes ritmos: “Penso que seria interessante abrir espaço para todas essas manifestações e não apenas o samba. Eu acho que a Bahia é diferenciada, Salvador principalmente.”
Próximos passos
Após a aprovação do PI, o debate segue aberto: pesquisadores e agentes culturais apontam que estudos, mapeamentos e consultas às agremiações devem vir antes de qualquer projeto concreto. Caroline Fantinel observa que, embora seja improvável recuperar plenamente o protagonismo das décadas de 1960 e 1970, garantir espaços pode estimular novas iniciativas: “Tudo é possível para essa festa que é tão camaleônica… Mas eu diria que hoje, seria muito difícil a gente ter o destaque que as escolas de samba tiveram na década de 60”.