Você já se sentiu diferente e não soube explicar o motivo? Pois foi exatamente assim que Raquel dos Teclados, uma das vozes mais marcantes do arrocha baiano, passou boa parte da vida. Conhecida como a “Rainha da Sofrência”, Raquel sempre carregou uma fama difícil de engolir: a de ser brava, grossa, até arrogante. Só que ninguém imaginava o que realmente se passava por trás desse jeito intenso.
Recentemente, aos 42 anos, ela recebeu um diagnóstico que virou sua vida do avesso — e trouxe, junto com a surpresa, um alívio enorme: Raquel é autista. Ao contar sua história nas redes sociais, ela emocionou muita gente e começou, sem querer, a quebrar uma porção de estereótipos sobre o autismo, especialmente entre as mulheres do Nordeste.
“Durante anos fui chamada de difícil, de arrogante… e até eu mesma acreditei nisso. Agora, depois de tantos altos e baixos, descobri que sou autista. E tudo fez sentido”, contou, emocionada, em um relato que logo viralizou. Filha de Paulo Afonso, interior da Bahia, Raquel percebeu que muitos dos comportamentos que lhe renderam rótulos negativos eram, na verdade, traços do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Diagnóstico tardio: o desafio de tantas mulheres
O caso de Raquel chama atenção para um problema sério e, infelizmente, bem comum: o diagnóstico tardio de autismo em mulheres. Você sabia que um terço das mulheres autistas só descobre a condição depois dos 20 anos? Enquanto isso, a maioria dos meninos é diagnosticada antes dos sete. A diferença é gritante.
A médica Deborah Kerches, referência em autismo, explica que “meninas e mulheres sempre foram meio invisíveis quando se fala em autismo”. Uma das razões é a tal “camuflagem social”, ou “masking”: para se encaixar, muitas aprendem a esconder ou disfarçar características autistas, o que exige um esforço danado e pode acabar em puro esgotamento.
O apoio que fez diferença
Nessa jornada de autoconhecimento, Raquel contou com o apoio importante do influenciador Carlinhos Maia, que já havia defendido a cantora em outras polêmicas. Ele ajudou a dar visibilidade ao diagnóstico, mostrando que muitos dos comportamentos dela, antes criticados, eram na verdade manifestações do autismo.
“Não é falta de humildade. Ela quase perdeu a vida”, lembrou Carlinhos, referindo-se aos episódios de depressão enfrentados por Raquel. O respaldo do influenciador foi fundamental para que o público passasse a olhar a artista com mais empatia e compreensão.
Quando a fama de “difícil” ganha outra explicação
Quem acompanha Raquel dos Teclados sabe que ela já se envolveu em algumas situações polêmicas — empurrão em fã no palco, celular chutado durante um show… Antes, essas atitudes eram vistas como grosseria. Mas e se o motivo fosse outro?
A própria Raquel refletiu: “O artista também é ser humano. Precisa aprender a lidar com os fãs, mas às vezes é difícil”. Especialistas dizem que pessoas autistas realmente podem ter dificuldades com contato físico inesperado ou com barulhos e luzes em excesso, por exemplo. Nada de arrogância; é uma questão de sensibilidade.
O peso do preconceito e o contexto nordestino
O desabafo de Raquel tem um peso especial por acontecer no Nordeste, terra de mulheres fortes, mas onde ainda há muito preconceito, principalmente quando alguém foge do que “esperam” de uma mulher.
A pesquisadora Christine da Silva-Schröeder lembra: “A sociedade espera que as meninas sejam mais quietas, obedientes. Isso dificulta ainda mais o diagnóstico, principalmente em mulheres mais assertivas, como a Raquel”.
Desde pequena, Raquel sempre foi vista como uma batalhadora — começou a cantar aos oito anos na igreja, construiu a carreira no arrocha com muita garra. Quem iria imaginar que por trás da coragem estava um cérebro funcionando de um jeito diferente?
O autismo feminino é mesmo diferente?
É sim, e muito. Em mulheres, o autismo pode se manifestar de formas bem sutis: sensibilidade a sons, cheiros ou texturas, dificuldade para entender sinais sociais, interesses muito intensos, necessidade de rotina… Mas tudo isso pode passar despercebido, principalmente quando a pessoa aprende a “atuar” socialmente.
Raquel conta que o diagnóstico fez tudo se encaixar: “Isso explica muita coisa que ninguém nunca percebeu em mim”, desabafou. Muitas mulheres, ao longo da vida, acabam colecionando rótulos injustos e enfrentando crises de ansiedade ou depressão justamente por não entenderem o próprio funcionamento.
Saúde mental: a importância do diagnóstico
O impacto de um diagnóstico tardio vai muito além do alívio. Ele pode, literalmente, salvar vidas. Várias mulheres relatam anos de sofrimento emocional, passando de médico em médico, mudando remédios, mas sem se sentir melhor. Foi assim com Beatriz Lamper Martinez, nutricionista, que só descobriu o autismo aos 48 anos: “Mudava o remédio, aumentava dose, mas nada me estabilizava”. O diagnóstico correto abriu portas para novos tratamentos e mais qualidade de vida.
Quebrando tabus e inspirando outras mulheres
O exemplo de Raquel dos Teclados, assim como o da atriz Letícia Sabatella — que só descobriu o autismo aos 52 anos —, ajuda a quebrar preconceitos sobre quem pode ser autista e como esse diagnóstico pode aparecer. Não tem idade, profissão ou “cara” certa.
Ver uma mulher nordestina, forte, dona de si, falando abertamente sobre autismo é uma verdadeira revolução. Isso desafia o mito de que autismo é coisa de menino ou de criança — e mostra que todo mundo merece ser compreendido de verdade.
E agora, Raquel?
A história de Raquel reforça a urgência de olhar com mais cuidado para o autismo feminino no Brasil. Profissionais de saúde precisam estar atentos aos sinais que fogem do padrão masculino e buscar formas mais sensíveis de identificar o TEA em mulheres.
Hoje, Raquel se conhece, se aceita e quer ajudar outras mulheres a passarem pelo mesmo processo. Sua trajetória — de artista mal compreendida a mulher que finalmente se entende — é esperança para quem ainda se sente perdida e sem respostas.
Por fim, fica a lição: ninguém é só um diagnóstico. O apoio de amigos como Carlinhos Maia, e de toda uma rede, faz toda a diferença. Raquel transformou sua descoberta em inspiração, mostrando que todo mundo merece respeito, empatia e, acima de tudo, o direito de ser quem é.