O influenciador paraibano Hytalo Santos está no centro de uma investigação do Ministério Público da Paraíba (MPPB) por suposta exploração de adolescentes em vídeos nas redes sociais. O inquérito começou no fim de 2024, após denúncias anônimas encaminhadas ao Disque 100. Segundo o promotor João Arlindo Côrrea, responsável pelo caso, as apurações indicam que o youtuber fornecia benefícios materiais — como iPhones, pagamento de aluguel e mensalidades escolares — às famílias dos jovens para convencê‑las a permitir a participação dos filhos nos conteúdos. Ao menos 17 adolescentes emancipados teriam aparecido nos vídeos, todos com autorização formal dos responsáveis.
O que era oferecido às famílias e como a emancipação entrava no esquema
De acordo com as investigações, os presentes não eram destinados diretamente às adolescentes, mas aos familiares. Promotores ouviram relatos de que Santos entregava celulares de última geração (como iPhones) e custeava aluguéis e mensalidades escolares para parentes dos participantes. A emancipação, que concede a menores de 16 a 18 anos capacidade civil plena e lhes permite assinar contratos, comprar e vender bens e administrar a própria vida, teria sido usada como brecha jurídica: com o documento, os jovens poderiam assinar autorizações para aparecer em vídeos sem a necessidade de decisão judicial ou autorização do Ministério Público. O promotor explicou que a investigação busca saber se existia uma troca entre essas vantagens e a emancipação, embora reconhecer o vínculo não seja simples porque os adolescentes já tinham o documento e a anuência dos pais.
Autoridades apuram também se os pais foram negligentes ao consentir com a exposição dos filhos, o que pode configurar responsabilidade por possíveis danos psicológicos. Conforme o MPPB, a maioria dos jovens presentes nos vídeos de Hytalo se encontrava emancipada e a prática investigada poderia representar adultização – termo que, embora não seja crime específico, é combatido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA garante proteção integral e proíbe qualquer forma de negligência, exploração ou constrangimento.
Documentos e acusações: o que dizem as autoridades
Um documento conjunto do MPPB, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Civil enumerou indícios como uso da imagem de adolescentes em contexto de adultização para fins lucrativos, exploração de trabalho infantil, riscos de aliciamento e danos psicológicos e violação de direitos previstos no ECA e na Constituição. O texto também critica a ausência de mecanismos para impedir o acesso de menores a jogos de apostas, já que parte da monetização vinha de jogos como o “Jogo do Tigrinho”.
Além das denúncias de exploração, o MPPB recomendou que a Loteria do Estado da Paraíba (Lotep) suspendesse em até 48 horas a empresa de rifas e sorteios administrada por Hytalo, chamada Fartura Premiações, por uso irregular de imagens de menores. Caso a determinação não seja cumprida, a Lotep pode enfrentar medidas judiciais e até consequências criminais.
Felca e a repercussão nas redes sociais
O caso ganhou grande repercussão depois que o youtuber e humorista Felca divulgou, em 6 de agosto, um vídeo de 50 minutos denunciando a suposta exploração sexual de menores e a adultização em conteúdos produzidos por Hytalo. A gravação, que já soma mais de 15 milhões de visualizações, destaca a participação da influenciadora Kamylla Santos, de 17 anos, que começou a aparecer nos vídeos aos 12. Felca também acusa Hytalo de lucrar com a imagem sexualizada da jovem e sugeriu uma ligação com o Jogo do Tigrinho. Após a repercussão, o perfil pessoal de Hytalo no Instagram, seguido por mais de 17 milhões de pessoas, foi retirado do ar.
Desdobramentos e defesa do influenciador
O MPPB, o MPT e a Polícia Civil mantêm ao menos dois inquéritos em andamento: um na capital João Pessoa, sob responsabilidade do promotor João Arlindo Côrrea, e outro em Bayeux, conduzido pela promotora Ana Maria França. A expectativa é de que o relatório final do primeiro inquérito seja apresentado na próxima semana. As autoridades também pedem que os pais e responsáveis sejam investigados por possível omissão na proteção dos filhos.
Até o fechamento desta reportagem, Hytalo Santos não se pronunciou publicamente. Em entrevistas anteriores, o influenciador disse colaborar com o Ministério Público e afirma que as mães das adolescentes acompanham as gravações e consentem com a participação das jovens. O advogado de Hytalo e representantes da Lotep não responderam aos pedidos de esclarecimento de veículos como g1 e InfoMoney.
O que significa emancipação e por que o caso preocupa
A emancipação é um instrumento previsto no Código Civil que concede a pessoas entre 16 e 18 anos capacidade civil plena para praticar atos como assinar contratos e gerenciar bens. Normalmente, ela é utilizada por adolescentes que trabalham ou desejam abrir empresas; no caso Hytalo, a emancipação foi alçada ao centro das investigações por supostamente permitir que adolescentes fossem contratados sem intervenção judicial. Embora a emancipação garanta autonomia, ela não revoga a proteção do ECA: o Estatuto determina que qualquer exploração sexual ou exposição inadequada de menores é ilegal, independentemente de o jovem ser emancipado.
Especialistas ouvidos pelo Ministério Público alertam para a necessidade de orientação às famílias sobre os riscos de expor adolescentes a conteúdos adultos. Eles destacam que a internet facilita práticas de adultização e exploração, e que a sociedade deve discutir formas de regular a presença de menores em conteúdos digitais, inclusive exigindo medidas de age‑verification e fiscalização de plataformas.
Próximos passos
As investigações seguem em sigilo, mas devem resultar em relatórios conclusivos nas próximas semanas. O MPPB pretende ouvir todos os adolescentes e responsáveis envolvidos para averiguar se houve troca de benefícios por emancipações e se os pais se omitiram em proteger os filhos. Dependendo das conclusões, o influenciador e eventuais cúmplices podem responder por exploração sexual de menores, violação do ECA e outras infrações.
Enquanto isso, especialistas recomendam que plataformas de redes sociais reforcem mecanismos de proteção para impedir que conteúdos com adolescentes sejam explorados sem consentimento adequado e que a sociedade acompanhe o caso para garantir que os direitos das crianças e adolescentes sejam preservados.