Uma venda coletiva de dados pessoais colocou o Spotify no centro de uma discussão sobre privacidade e propriedade na era da inteligência artificial. O episódio envolve o coletivo Unwrapped, criado em fevereiro de 2025, e uma operação em que cerca de 10 mil usuários aceitaram compartilhar parte dos seus históricos de escuta — a primeira transação foi registrada em junho.
O que ocorreu
O Unwrapped reuniu mais de 18 mil participantes dispostos a compartilhar e monetizar seus hábitos musicais de forma coletiva. Segundo os organizadores, a ideia era permitir que desenvolvedores criassem ferramentas de IA que analisassem padrões de escuta de maneira diferente do que o próprio Spotify oferece.
Em junho, um conjunto limitado de preferências por artistas foi vendido à empresa Solo AI por US$ 55 mil. Cada pessoa que participou da venda recebeu o equivalente a cerca de US$ 5 em criptomoedas. Embora o valor individual tenha sido pequeno, os organizadores destacaram que o episódio mostrou que esses dados têm valor econômico: “Tem, sim, valor de mercado”.
Reações
O Spotify respondeu com uma notificação ao grupo, alegando que a prática violava seus termos de desenvolvedores e poderia ferir a marca ligada à retrospectiva “Wrapped”. A plataforma afirmou que o uso da base de usuários para treinar modelos de aprendizado de máquina foi expressamente proibido em seus termos de serviço.
Em contrapartida, o Unwrapped afirmou que não distribui conteúdo da plataforma nem interfere no negócio do Spotify, e que fornece apenas infraestrutura comunitária para que indivíduos acessem e eventualmente monetizem seus próprios dados — um direito previsto em legislações de proteção de dados. “Quando ouvintes escolhem compartilhar ou monetizar suas informações, não estão tirando nada do Spotify, apenas exercendo autodeterminação digital”, disseram os organizadores.
Especialistas e preocupações
Especialistas em direitos digitais consultados pelo coletivo apontaram riscos na comercialização de dados pessoais, como a reidentificação ou usos inesperados das informações, mas reforçaram que os usuários devem ter controle sobre seus históricos. A Electronic Frontier Foundation (EFF) resumiu a tensão: “A privacidade não deve ser tratada como mercadoria”, ao mesmo tempo em que defendeu o respeito ao direito de exportar e usar os próprios dados.
Limites técnicos e próximos passos
Além do conflito jurídico, o movimento esbarrou em dificuldades técnicas: os fundadores do Unwrapped relataram problemas ao exportar informações a partir do Spotify, o que limitou o crescimento do coletivo — segundo eles, hoje cerca de 300 novos usuários conseguem se cadastrar por dia. O grupo anunciou que pretende lançar atualizações para simplificar a migração de dados e ampliar o alcance da iniciativa.
Mas quem realmente controla esses dados — os ouvintes, as plataformas ou as empresas que criam as ferramentas de IA? Ainda é cedo para saber se a disputa seguirá para os tribunais, mas o caso deixou explícita uma questão central da era digital: a definição de quem detém e controla os dados gerados pelos usuários em serviços de streaming.