Um documento interno vazado revelou que a Amazon planejou formas de não divulgar totalmente o consumo de água de seus data centers, segundo reportagem do The Guardian e do coletivo SourceMaterial. O memorando foi produzido em outubro de 2022, justamente quando a empresa discutia ampliar a infraestrutura para projetos de inteligência artificial.
Mas por que isso importa? Porque estamos falando de grandes volumes de água e de decisões que afetam regiões onde a água já é escassa — como Salvador, na Bahia.
O que o memorando mostra
O documento traz estimativas de consumo para 2021: cerca de 105 bilhões de galões de água — número descrito como equivalente ao abastecimento de aproximadamente 958 mil residências nos EUA, ou o consumo de uma cidade maior que São Francisco. Ainda assim, a AWS decidiu reportar apenas o uso primário de água, estimado em 7,7 bilhões de galões por ano, e estabeleceu a meta de reduzir esse uso para 4,9 bilhões até 2030.
Segundo o memorando, foram deixadas de fora categorias que representariam a maior parte da pegada hídrica. Entre elas:
- o chamado uso “água secundária”, ou seja, a água usada na geração da eletricidade que alimenta os data centers;
- estimativas de consumo indireto na cadeia de suprimentos (conhecidas como escopo 3).
O documento afirmava que essas exclusões responderiam por cerca de 90% da pegada hídrica total. O texto também alertava que transparência completa poderia ser “uma via de mão única” e previa manchetes negativas.
“Amazon esconde seu consumo de água”, previa o memorando.
Contexto e números
O vazamento veio logo depois de a AWS lançar, em novembro de 2022, a campanha Water Positive, que promete “devolver mais água do que consome” até 2030. O memorando foi produzido um mês antes desse anúncio e dizia que aproximadamente metade dos US$ 109 milhões previstos para projetos de reposição hídrica seria gasta mesmo sem a campanha — por exigências regulatórias ou benefícios operacionais.
Reações
Executivos da empresa defenderam a metodologia usada para a campanha. A porta-voz da Amazon, Margaret Callahan, afirmou que o documento é “obsoleto” e que “deturpa completamente a estratégia atual de uso de água da Amazon”.
“A existência de um documento não garante sua precisão ou versão final”, disse Margaret Callahan, porta-voz da Amazon.
Especialistas criticaram a omissão. Shaolei Ren, professor da Universidade da Califórnia em Riverside, disse ao Guardian que, na ciência ambiental, é prática padrão incluir ambos os tipos de uso para captar melhor o custo hídrico real dos data centers. Tyler Farrow, da Alliance for Water Stewardship, alertou que chamar a iniciativa de “água positiva” não apaga a pegada hídrica das operações.
“Independentemente dos tipos de compensação adotados, isso não anula a pegada hídrica das próprias operações”, disse Tyler Farrow.
Um ex-funcionário, Nathan Wangusi, que trabalhou como gerente de sustentabilidade hídrica, afirmou que a empresa tentou influenciar padrões da indústria para minimizar seu impacto e disse ter sido perseguido após críticas internas. Wangusi disse ainda que a Amazon financiou instituições para desenvolver metodologias que, em sua visão, teriam obscurecido a pegada hídrica; as organizações negaram influência indevida e a porta-voz classificou as alegações como “contraditas pelos fatos”.
“Você não precisa obscurecer”, disse Nathan Wangusi, ex-gerente de sustentabilidade hídrica.
O memorando também mencionava que a companhia vinha construindo novos data centers em regiões com estresse hídrico e registrou que a AWS sofreu uma pane mundial na semana anterior ao vazamento — informação citada no material de planejamento.
As revelações foram publicadas pelo The Guardian e pelo SourceMaterial, que disseram ter procurado a Amazon e aguardavam uma posição oficial. As reportagens seguem em apuração sobre as práticas de contabilização de água da empresa.
Em resumo: o documento vazado levantou dúvidas sobre o quanto da pegada hídrica dos data centers estava sendo efetivamente contabilizada. A discussão sobre transparência e metodologia continua — e tem impacto direto onde a água é mais preciosa.

