Um estudo científico importante, que falava sobre a destruição da cidade de Tall el-Hammam e sua ligação com as histórias bíblicas de Sodoma e Gomorra, foi totalmente retratado por sua editora.
Publicado em 2021 na revista Scientific Reports, o artigo atribuía a destruição da antiga cidade, por volta de 1.600 a.C., a uma explosão aérea. A decisão de retratar o trabalho vem após anos de críticas sobre a forma como a pesquisa foi feita, os dados usados e até as motivações de quem escreveu.
O estudo original defendia que um objeto do espaço, parecido com o que atingiu Tunguska na Sibéria em 1908, explodiu sobre Tall el-Hammam. Isso teria gerado temperaturas altíssimas e deixado marcas como quartzo chocado.
Para os autores, quem vivia na Idade do Bronze veria um evento assim como um ato divino, um aviso contra o pecado. Essa visão, segundo eles, teria dado origem aos mitos bíblicos que conhecemos.
Os questionamentos
No entanto, logo depois que o artigo saiu, muitos especialistas começaram a apontar problemas.
O professor Mark Boslough, da Universidade do Novo México, que é especialista em explosões na atmosfera, falou que o artigo usou os modelos dele de forma errada. Ele disse que o estudo citou seus modelos para apoiar ideias que, na verdade, iam contra o que os modelos mostravam.
Boslough também chamou atenção para algo incomum: o trabalho reapareceu rápido em outra publicação, a Airbursts and Cratering Impacts. Essa revista tem pouco prestígio, publicou apenas 14 artigos em dois anos, e quase todos são dos mesmos autores do estudo retratado.
Arqueólogos também se manifestaram, falando que os supostos danos únicos encontrados em Tall el-Hammam não eram bem assim. Eles falaram que esses danos são, na verdade, comuns em lugares construídos com materiais parecidos, o que contesta a ideia de que a cidade foi destruída por algo fora do comum. Outra questão levantada por quem entende do assunto, mas não era da área específica do estudo, colocou em dúvida a validade de muitos métodos usados.
A investigação sobre o estudo também falou que parte do dinheiro para a pesquisa veio de grupos que queriam provar que as histórias da Bíblia são verdadeiras. Isso levantou sérias perguntas sobre se havia conflito de interesses na forma como o trabalho foi conduzido.
A bioquímica e ‘detetive de ciência’ Dra. Elisabeth Bik encontrou coisas estranhas nas imagens do artigo, como repetições que sugerem manipulação visual. Ela fala que isso é considerado mais grave do que apenas um erro de interpretação de dados.
Mais perguntas surgiram quando se descobriu que o autor principal, usando outro nome, já tinha sido condenado no passado. Ele foi condenado por cobrar por estudos de água sem ter autorização legal para isso. Mesmo que alguns coautores tenham bom currículo, muitos trabalham em áreas que só têm uma ligação superficial com o tema central da pesquisa.
A retratação e o que ela significa
- Em 2023, o site Retraction Watch falou que o artigo já estava sendo investigado porque havia dúvidas sobre os dados e as conclusões. Agora, quase quatro anos depois da polêmica, a revista decidiu retratar o estudo completamente.
- Este caso fala sobre como trabalhos com muitos erros conseguem ser publicados até em revistas importantes, mesmo com a revisão por pares.
- A história de Tall el-Hammam ficou bem conhecida, gerando conversas em várias áreas da ciência.
- Além de tudo, a retratação faz com que outras pesquisas dos mesmos autores também sejam vistas com cuidado. Um exemplo é um estudo de 2007 que liga um possível impacto de cometa a um evento de frio intenso chamado Younger Dryas, que aconteceu há cerca de 12,9 mil anos.
- Se até o caso de Tall el-Hammam, que parecia forte, se mostrou frágil, a comunidade científica precisa olhar com muita atenção para trabalhos que colocam a culpa de coisas que aconteceram no clima ou na arqueologia em explosões no ar ou impactos do espaço.