O Brasil se vê diante de um complexo cenário para a regulamentação da inteligência artificial, uma tecnologia que, embora prometa avanços significativos, também apresenta riscos. A busca por um equilíbrio entre inovação, defesa da soberania nacional, garantia de direitos fundamentais e segurança jurídica tem se mostrado uma tarefa árdua, enquanto o debate legislativo avança de forma morosa no Congresso Nacional.
Desde 2019, propostas sobre o tema circulam no parlamento brasileiro. Em 2022, uma comissão de juristas apresentou ao Senado um relatório que deu origem ao Projeto de Lei 2338/2023, conhecido como “Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil”. A proposição superou uma concorrida consulta pública, com 35.806 votos favoráveis e 31.547 contrários, e foi aprovada no Senado. Contudo, desde março de 2025, o texto aguarda análise da Câmara dos Deputados.
Inovação e direitos em pauta
As professoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Katia Augusta Maciel e Inês Maciel, ressaltam em artigo publicado no The Conversation a magnitude do desafio regulatório. Segundo as especialistas, é fundamental estabelecer um modelo que consiga equilibrar o estímulo à inovação com a proteção dos direitos dos cidadãos. Elas defendem a necessidade de que o Estado assuma seu papel regulador, evitando que o desenvolvimento tecnológico seja deixado “às mãos invisíveis do mercado”, e que a sociedade exerça sua função de cobrança por um arcabouço legal adequado.
O potencial econômico da inteligência artificial no Brasil é expressivo. Um relatório da PwC, intitulado “Value in Motion”, aponta que a IA pode agregar até 13 pontos percentuais ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro até 2035, desde que sua implementação ocorra de maneira responsável e conte com a confiança da população. No entanto, a crescente utilização de grandes volumes de dados por essas tecnologias, sem uma regulamentação clara, gera desconfiança e leva muitos a rejeitar termos de uso que permitem a coleta automática de informações pessoais.
Soberania tecnológica
Um dos maiores entraves na discussão é a inadequação das ferramentas regulatórias existentes, consideradas arcaicas diante de algoritmos que operam e aprendem de forma autônoma. Esse cenário cria um vácuo ético e jurídico, onde a inovação avança rapidamente e as consequências ficam para um segundo momento, com a atuação de lobistas nos bastidores. Além disso, o país enfrenta desafios estruturais como infraestrutura precária, lacunas na educação e a complexidade burocrática. As professoras da UFRJ também apontam impactos práticos, como a possibilidade de crises em cadeias produtivas e os ainda pouco discutidos impactos ambientais da construção de centros de dados.
A soberania nacional tecnológica emerge como um ponto crucial no debate. O Brasil mantém uma dependência significativa em relação a infraestruturas e componentes estrangeiros, como a carência de cabos submarinos próprios e a limitada produção de chips. Um exemplo dessa dependência é a cobertura de internet via satélite da Starlink, que alcança 90% das cidades da Amazônia Legal, áreas onde a presença estatal ainda é limitada. Katia Augusta Maciel e Inês Maciel enfatizam que a regulamentação não deve ser confundida com censura, mas sim um mecanismo para assegurar direitos, transparência e responsabilização. A defesa é por regras claras que garantam o respeito aos interesses brasileiros pelas plataformas digitais e uma infraestrutura tecnológica menos suscetível a empresas estrangeiras.