Grandes corporações globais, como Google, Microsoft, Nvidia e Huawei, intensificam seus investimentos em modelos de previsão do tempo baseados em inteligência artificial (IA). Essas novas tecnologias prometem transformar a meteorologia ao oferecerem agilidade e menor dependência de supercomputadores, elementos centrais nos sistemas meteorológicos convencionais, desenvolvidos ao longo de décadas. Contudo, a questão sobre a real eficácia desses modelos de IA ainda gera debate, conforme apontado por uma reportagem recente da BBC.
Impacto econômico das previsões climáticas
As previsões meteorológicas transcendem a simples indicação de chuva, possuindo um impacto direto na segurança pública, na economia e na capacidade de prevenção de desastres. Somente nos Estados Unidos, no ano de 2024, fenômenos climáticos extremos resultaram em US$ 182 bilhões em prejuízos e causaram 568 mortes, segundo dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA). No Reino Unido, ondas de calor foram responsáveis por 1.311 óbitos no mesmo período, e estudos indicam que os serviços do Met Office, o órgão de meteorologia britânico, podem gerar um retorno de aproximadamente £ 56 bilhões para a economia do país em uma década.
No Brasil, o cenário não é diferente. Informações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) revelam que, entre 2013 e 2023, desastres naturais provocaram mais de R$ 420 bilhões em perdas, afetando infraestrutura, agricultura, energia e transporte. Milhares de pessoas são anualmente atingidas por eventos como enchentes, deslizamentos e secas, cujos impactos poderiam ser mitigados por meio de previsões mais precisas e sistemas de alerta eficientes. O mercado de previsão do tempo cresce em sintonia com o aumento dos eventos climáticos extremos, impulsionados pelas alterações no clima global.
Modelos tradicionais: uma análise profunda
Os sistemas meteorológicos tradicionais operam em alguns dos mais poderosos supercomputadores do mundo. O Met Office, por exemplo, mantém um contrato avaliado em £ 1,2 bilhão para uma máquina capaz de realizar 60 quadrilhões de cálculos por segundo. Esses sistemas empregam modelos físicos complexos, com mais de um milhão de linhas de código, e processam cerca de 215 bilhões de observações meteorológicas. As previsões são geradas a partir de cálculos aplicados em grades que cobrem o planeta, com uma resolução que varia entre 10 km² e 28 km². Devido a essas limitações de escala, nem sempre esses modelos conseguem prever fenômenos localizados, como chuvas isoladas ou inundações repentinas.
IA na meteorologia: desempenho e capacidade
Os modelos de previsão do tempo baseados em inteligência artificial surgiram nos últimos anos e mostram um rápido desenvolvimento. Diferentemente dos sistemas tradicionais, que demandam horas em supercomputadores, as soluções com IA conseguem gerar uma previsão em menos de um minuto utilizando um notebook comum. Esses modelos não simulam as leis da física; eles são treinados com 40 anos de dados históricos para identificar padrões atmosféricos e formular prognósticos.
Dados do Centro Europeu de Previsão do Tempo de Médio Prazo (ECMWF) para o inverno de 2024/2025 indicam que alguns modelos de IA, como GraphCast (Google), AIFS (ECMWF) e Aurora (Microsoft), demonstraram superioridade sobre o modelo físico de referência, IFS (ECMWF), na previsão de padrões de pressão atmosférica. No entanto, os modelos FourCastNet (Nvidia) e Pangu-Weather (Huawei) apresentaram desempenho aquém do esperado.
Desafios e limitações da inteligência artificial
Apesar dos avanços, a precisão dos sistemas de IA diminui conforme o horizonte da previsão se estende, uma característica similar aos modelos tradicionais. Atualmente, nenhum sistema, seja físico ou baseado em IA, conseguiu oferecer previsões úteis com dez dias de antecedência. Outro ponto crucial é que a eficácia desses modelos de IA ainda depende, em certa medida, dos sistemas tradicionais, que fornecem as condições atmosféricas iniciais; sem elas, o desempenho da IA seria significativamente comprometido.
Adicionalmente, a inteligência artificial ainda enfrenta dificuldades em detectar fenômenos em escalas menores que 1.000 km, como frentes frias ou tempestades de alta intensidade, o que pode determinar a diferença entre um dia seco e um dia com chuvas torrenciais. Embora algumas manchetes sugiram que a IA já supera os modelos tradicionais na previsão de furacões, essa vantagem não é completa; em certas situações, modelos de IA acertaram o local de chegada, mas falharam na estimativa da intensidade dos ventos e do potencial destrutivo, informações essenciais para a população e autoridades. Eventos climáticos atípicos, como a erupção do Monte Pinatubo em 1991, que reduziu a temperatura global em até 0,5°C por dois anos, são particularmente difíceis para a IA prever, dada a raridade em seus dados históricos. Uma questão emergente é como esses sistemas de IA se comportarão em um cenário de aquecimento global, com padrões climáticos sem precedentes nos dados dos últimos 40 anos.
O futuro da previsão do tempo
Para especialistas, a tendência é a integração dos dois modelos. “Teremos modelos tradicionais rodando ao lado dos de IA, combinando os pontos fortes de cada um para gerar previsões rápidas e hiperlocalizadas“, destacou Kirstine Dale, chefe de IA no Met Office, em entrevista à BBC. Embora ainda recentes, os sistemas baseados em inteligência artificial avançam rapidamente e, com sua capacidade de gerar previsões em poucos segundos, tendem a desempenhar um papel cada vez mais relevante no futuro da meteorologia.