Imagine poder sobrevoar a nossa vizinhança estelar e ver, em três dimensões, onde estão as nuvens que formam estrelas — é isso que um novo modelo baseado nos dados do telescópio espacial Gaia da ESA permite hoje. Depois de uma década de observações, os cientistas juntaram informações suficientes para montar um mapa detalhado até 4.000 anos‑luz ao redor do Sol, com o próprio Sol no centro.
O que o mapa traz de novo
Os números impressionam: o Gaia registrou mais de 3 trilhões de observações de cerca de 2 bilhões de estrelas e outros objetos. Mas o que realmente mudou foi a combinação de posições precisas das estrelas com medições da extinção — a quantidade de luz bloqueada pela poeira —, algo equivalente a enxergar através de uma névoa para saber onde ela é mais densa.
Com isso, os pesquisadores conseguiram reconstruir não só a distribuição da poeira em 3D, mas também estimar onde há mais gás hidrogênio ionizado — um indício claro de formação estelar e da ação de estrelas massivas. Ou seja: além de um mapa de onde estão as coisas, temos pistas de como elas estão mudando.
Algumas estruturas visíveis
No modelo aparecem várias estruturas bem conhecidas, entre elas:
- Nebulosa Gum
- Nebulosa Norte‑Americana
- Nebulosa Califórnia
- a superbolha Órion‑Eridano, com filamentos em tons rosa‑avermelhados
Essas formas aparecem com mais detalhe porque o mapa separa o que está perto do que está mais distante — como se cortássemos a névoa em camadas e víssemos onde cada uma fica.
Como isso ajuda a ciência? O mapa inclui não só as três coordenadas espaciais, mas também três componentes de velocidade (aproximação, afastamento e movimento no céu). Isso permite investigar até que distância a radiação de estrelas massivas ioniza o gás e como poeira e gás interagem com essa radiação. Em estudos iniciais, algumas nuvens parecem ter sido rompidas, liberando fluxos de gás e poeira para além das regiões onde as estrelas nascem.
Segundo a ESA, esses resultados permitem criar mapas 3D da poeira que ajudam a descobrir a quantidade de gás ionizado. O astrônomo Lewis McCallum (Universidade de St. Andrews) resume bem: o Gaia dá “a primeira visão precisa de como seria nossa seção da Via Láctea vista de cima”. A pesquisadora da ESA Sasha Zeegers destaca que o modelo mostra como a radiação das estrelas massivas molda o meio interestelar local.
Gerar esse mapa exigiu grande poder computacional, e a equipe diz que o modelo poderá ficar ainda mais completo quando o Gaia liberar o próximo conjunto de dados. A própria ESA aponta que o quarto lançamento de dados (DR4) trará informações em maior volume e qualidade, abrindo caminho para avanços na compreensão das regiões de formação estelar.
O mapa já está disponível para exploração por pesquisadores e entusiastas ao redor do mundo — inclusive no estado da Bahia — e deve ser incorporado a novos estudos assim que chegarem as próximas atualizações do Gaia. Quer dar uma volta nesse mapa e ver de perto como é a nossa vizinhança galáctica?