O que acontece quando um doce simples cai no gosto do povo e vira febre na internet? Em Salvador, o resultado foi uma corrida por morangos, cardápios adaptados às pressas e um aumento de preço que assustou tanto quem vende quanto quem compra. O “Morango do Amor”, uma combinação de morango fresco, brigadeiro branco e uma casquinha crocante, dominou as redes sociais e provou que uma tendência digital pode ter consequências bem reais no mercado local.
A onda começou de repente. Nos últimos dias, quem navega pelo TikTok ou Instagram certamente se deparou com vídeos do doce. Tutoriais, degustações e posts de dar água na boca transformaram a guloseima em um verdadeiro fenômeno. A procura foi tão grande que o termo “morango do amor” viu suas buscas no Google crescerem 100%, tornando-se um dos assuntos mais pesquisados do mês. A hashtag #morangodoamor
explodiu, acumulando mais de 16 mil publicações em todo o Brasil, a grande maioria delas surgindo em questão de dias.
O impacto direto no bolso dos baianos
Essa popularidade toda não demorou a refletir nos preços. A confeiteira Ana Flávia Correia, com uma década de experiência no ramo em Salvador, sentiu o impacto na pele. Ao notar o burburinho nas redes sociais em uma sexta-feira (18), ela decidiu apostar na novidade. Em menos de uma semana, viu o custo de sua principal matéria-prima subir de forma impressionante.
“Na sexta, comprei uma caixa com quatro placas de morango por R$ 30. Hoje, o mesmo produto, com o mesmo fornecedor, custou R$ 48”, relatou Ana Flávia ao G1. A escalada foi rápida: o que custava R$ 30 na sexta-feira, passou para R$ 38 na quarta (23) e atingiu os R$ 48 já na quinta-feira (24).
O hortifrúti Marques Frutti, localizado na Cidade Nova, onde a confeiteira faz suas compras, confirmou o aumento expressivo na procura pela fruta. O estabelecimento se tornou um ponto de referência para quem busca morangos na capital, mas ainda não se pronunciou oficialmente sobre os reajustes.
Dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia (SDE-BA) confirmam essa tendência de alta. Uma pesquisa divulgada em 22 de julho mostrou que, embora a média estadual ainda não tivesse disparado, o valor máximo da fruta já havia saltado de R$ 30 para R$ 40. Boletins mais recentes revelam um cenário ainda mais preocupante: em 25 de julho, a mesma caixa de morango já era encontrada com preços variando entre R$ 55 e R$ 70.
Da Chapada Diamantina para as confeitarias de Salvador
A alta demanda na capital respingou diretamente nos produtores do interior. Uvilson Santos Oliveira, que cultiva frutas vermelhas em um sítio em Mucugê, na Chapada Diamantina, notou um aumento súbito na procura por morangos. “Acredito que seja por causa desse doce da internet, a procura aumentou nessa semana”, contou o produtor, que tradicionalmente foca em amoras, framboesas e mirtilos.
A região de Mucugê, que se consolidou como um polo produtor de morangos orgânicos, é uma das principais fornecedoras para Salvador. O que antes era uma cultura secundária, hoje movimenta a economia local ao lado do turismo e da produção de batata.
Oportunidade de negócio em meio à correria
Apesar dos custos mais altos, o “Morango do Amor” se mostrou um negócio lucrativo. Ana Flávia produziu 400 unidades em menos de uma semana, vendendo cada uma por R$ 14,90 e faturando quase R$ 6 mil. A nova aposta mudou completamente sua rotina, que antes contava apenas com morangos congelados para geleias e caldas. Ainda assim, ela mantém os pés no chão.
“Estamos acostumados a ver que algumas tendências vêm para ficar e outras nem tanto. Ao longo dos dias, vamos avaliar se os clientes vão continuar interessados”, explicou a empresária.
A febre atravessou até o Atlântico. A baiana Verônica Oliveira, de 40 anos, que tem restaurantes em Massachusetts, nos Estados Unidos, também incluiu o doce no cardápio e o sucesso foi imediato. Em menos de uma semana, vendeu 800 unidades e já tem uma lista de espera com 500 pessoas, a maioria brasileiros que vivem por lá.
De onde veio essa ideia?
O “Morango do Amor” é uma releitura da clássica maçã do amor, um doce que tem suas raízes nos Estados Unidos do início do século XX. No Brasil, uma das pioneiras na comercialização da versão com morango foi Priscilla Diniz, dona da confeitaria que leva seu nome. Em 2023, ela resolveu apostar na ideia, que rapidamente se tornou um sucesso em suas nove lojas em Salvador e uma em Feira de Santana. “É uma receita muito antiga, mas até então eu jamais tinha visto alguém fazer e comercializar”, conta Priscilla.
O fenômeno do “Morango do Amor” deixa uma lição clara: na era digital, uma simples receita pode virar um motor econômico, criando oportunidades e, ao mesmo tempo, impondo desafios para toda uma cadeia produtiva, do campo à cidade. Para os soteropolitanos, restou o sabor doce da novidade e o gosto um pouco mais amargo no bolso.