Uma equipe de astrônomos — junto com observadores cidadãos — encontrou algo que parece saído de uma cena curiosa do Universo: um sistema de anéis duplos de rádio tão intenso e tão distante que virou notícia. O trabalho foi publicado nesta quinta-feira (2) no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
O que foi visto
O objeto, chamado J131346.9+500320, foi classificado como o ORC (círculo de rádio estranho) mais poderoso e mais distante já detectado. A luz que vemos levou cerca de 7,7 bilhões de anos para chegar até nós.
Os dados mostram dois anéis brilhantes de rádio que se cruzam, cada um com aproximadamente 978 mil anos‑luz de diâmetro, e envoltos por um halo ainda maior, de cerca de 2,6 milhões de anos‑luz. Para ter uma ideia, a Via Láctea tem pouco mais de 100 mil anos‑luz de diâmetro — ou seja, estamos falando de estruturas colossais.
Como pode ter se formado?
Os autores acreditam que a origem esteja ligada à atividade de um buraco negro supermassivo no centro da galáxia associada. Segundo o líder do estudo, Ananda Hota, ventos muito poderosos ou choques gerados por esse buraco negro podem ter esculpido os anéis. A imagem usada na análise combinou uma composição óptica RGB do Legacy Surveys com a emissão de rádio, mostrada em vermelho, do LOFAR Two‑Metre Sky Survey (LoTSS), o que evidenciou bem a morfologia circular do ORC.
Mas como explicar um fenômeno que aparece apenas em rádio? Ainda não há consenso total. Evidências crescentes ligam ORCs a buracos negros que disparam jatos de plasma e ventos intensos. No caso de J131346.9+500320, os pesquisadores acham plausível que superventos galácticos tenham reativado lóbulos de rádio antigos — é como se um sopro gigante tivesse reacendido uma estrutura fossilizada.
Raridade e significado
ORCs duplos são bastante raros: entre os 12 ORCs conhecidos até agora, apenas dois apresentavam dois anéis semelhantes, o que sugere jatos ou ventos emitidos em direções opostas a partir do mesmo núcleo galáctico. O brilho em J131346.9+500320 indica radiação antiga em declínio, motivo pelo qual os autores descrevem o objeto como um tipo de fóssil cósmico — um registro da atividade de buracos negros ocorrida bilhões de anos atrás.
O artigo também relata outros dois objetos relacionados a radiogaláxias cujos jatos terminam em grandes círculos de rádio, fortalecendo a hipótese de que os ORCs pertencem a uma família maior de estruturas moldadas por energia extrema de buracos negros.
O fato de cientistas cidadãos os terem descoberto destaca a importância contínua do reconhecimento de padrões humanos, mesmo na era do aprendizado de máquina.
Além de revelar um fenômeno incomum, a descoberta mostra como a colaboração entre astrônomos profissionais e observadores amadores pode ser decisiva. Esses registros podem oferecer pistas valiosas sobre a evolução conjunta de galáxias e buracos negros — e nos lembram que, mesmo com máquinas poderosas, o olhar humano ainda faz a diferença.