Pesquisas recentes sugerem que a cor é, em grande parte, uma construção do cérebro. Experimentos chegaram a provocar percepções de cores impossíveis, tonalidades que não existem no espectro de luz visível — fenômenos que chamaram a atenção de educadores e profissionais de saúde visual, inclusive em Salvador, na Bahia.
Da retina ao cérebro
O processo começa na retina. A luz refletida pelos objetos ativa células fotoreceptoras chamadas cones. Na maioria das pessoas, há três tipos, cada um mais sensível a comprimentos de onda próximos do vermelho, do verde e do azul. O cérebro combina a intensidade dos sinais desses cones para reconstruir a vasta paleta de cores que vemos. Por isso, uma maçã parece vermelha: sua casca reflete principalmente os comprimentos de onda associados a essa sensação.
“A cor é mais uma percepção do que uma propriedade física da luz”, disse o médico oftalmologista David A. Mackey, membro do Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (NHMRC) da Austrália, em entrevista à BBC.
Cores impossíveis e processamento oponente
Uma das chaves para entender esses achados é o chamado processamento oponente. O sistema visual organiza as cores em pares opostos — vermelho contra verde e azul contra amarelo — de modo que a mesma via neural ativada por uma cor tende a inibir a sua oposta. Isso explica por que, em condições normais, o cérebro não representa simultaneamente combinações como um verde-avermelhado.
Mas o sistema pode ser enganado. Se você fixa o olhar por um tempo numa área muito verde, os receptores sensíveis ao verde se cansam e passam a responder menos. Ao desviar o olhar, a inibição exercida pelo verde sobre o vermelho diminui temporariamente e aparece uma sensação breve de uma cor que não corresponde a um único comprimento de onda — uma cor que chamamos de impossível.
O caso do magenta ilustra outra construção cerebral: não existe um único comprimento de onda que seja magenta. Essa tonalidade surge quando o cérebro recebe sinais simultâneos dos cones sensíveis ao vermelho e ao azul, com pouca ou nenhuma estimulação dos cones verdes. Diante dessa combinação, o sistema “preenche” a lacuna e gera a percepção do magenta.
Aplicações e implicações
Esses resultados ajudam a entender por que pessoas podem perceber cores de modo diferente. Também explicam o interesse de artistas, cientistas e educadores em explorar essas percepções. Entre as aplicações práticas estão:
- materiais e demonstrações para o ensino da percepção visual;
- apoio a profissionais de saúde visual para compreender variações individuais;
- experimentação em pigmentos e desenvolvimento de displays.
Em resumo: a cor que você vê é uma interpretação do seu sistema visual, moldada pelos cones e pelo processamento cerebral. Experimentos com fadiga de cones mostraram como podemos acabar percebendo cores que não existem no espectro físico — um lembrete de que ver também é construir.