Imagine descobrir que você tem dois tipos de DNA diferentes dentro do seu próprio corpo, e um deles é idêntico ao do seu irmão gêmeo homem? Parece roteiro de filme, mas foi o que aconteceu com uma brasileira, surpreendendo completamente a comunidade médica. Este caso, conhecido como quimerismo espontâneo, é tão raro que especialistas o consideram inédito e veio à tona em 2022, prometendo impulsionar nosso entendimento sobre genética e reprodução humana no Brasil.
A jornada de descoberta de Ana Paula Martins, uma profissional de saúde, começou após um aborto espontâneo. Ao realizar um exame de cariótipo – que é como um ‘mapa’ dos nossos cromossomos – ela recebeu uma notícia chocante. Enquanto a maioria das suas células apresentava os cromossomos XX (tipicamente femininos), suas células sanguíneas carregavam cromossomos XY (masculinos)! A constatação, que inicialmente gerou muita estranheza para ela, acendeu um alerta para os médicos Gustavo Maciel, ginecologista da USP, e Caio Robledo, médico geneticista.
Um Mistério Genético Desvendado
Mas o que exatamente é quimerismo? Simplificando, é uma condição em que uma pessoa possui dois conjuntos genéticos diferentes no corpo ao mesmo tempo. Embora existam casos de quimeras ‘induzidas’ – como as decorrentes de transplantes de medula óssea –, o quimerismo espontâneo, como o de Ana Paula, é raríssimo! Geralmente, condições assim poderiam causar anomalias ou até infertilidade. A grande surpresa, e o que realmente intrigou os médicos, é que Ana Paula tinha órgãos reprodutivos plenamente desenvolvidos e foi capaz de conceber, desafiando todas as expectativas médicas.
Completamente intrigados com a singularidade do caso, os médicos iniciaram um estudo aprofundado, unindo equipes de ponta do Fleury, do Hospital Israelita Albert Einstein e do Hospital das Clínicas da USP. E qual foi a peça-chave para desvendar esse quebra-cabeça? A informação de Ana Paula sobre a existência de seu irmão gêmeo. Pesquisas prévias em mamíferos já indicavam a possibilidade de troca de sangue entre gêmeos de sexos diferentes durante a gestação. Seria esse o caminho?
Bingo! A análise genética de Ana Paula e de seu irmão confirmou: eles possuíam células sanguíneas idênticas. Era como se o sangue dela ‘pertencesse’ ao irmão. O Dr. Gustavo Maciel resumiu bem essa situação extraordinária em uma entrevista à BBC News Brasil:
“Na pele, no DNA da boca, no DNA da pele, ela é uma pessoa. O sangue dela, os glóbulos brancos dela, ela é o irmão, exatamente igual ao irmão.”
A hipótese mais provável é que, durante a gravidez, houve contato e conexão entre as placentas dos gêmeos, permitindo a passagem de sangue do feto masculino para o feminino. Mas o mais surpreendente, destacou Maciel, é que o material genético masculino permaneceu no corpo de Ana Paula por toda a sua vida, sem que isso gerasse qualquer condição adversa à sua saúde ou desenvolvimento. Uma verdadeira maravilha da natureza, não acha?
A excepcionalidade do caso de Ana Paula não se limitou à sua descoberta. Durante o período do estudo, ela engravidou novamente e deu à luz um menino saudável. A análise genética do filho confirmou que ele herdou os cromossomos do pai e da mãe, sem nenhuma ‘interferência’ do DNA sanguíneo idêntico ao do tio. Este caso singular abre novas e importantes perspectivas para a pesquisa em genética e reprodução humana, potencialmente levando a avanços significativos no campo da medicina e enriquecendo nosso entendimento científico. Quem diria que um exame de rotina revelaria um segredo tão fascinante?