Quem nunca brincou de “pai” ou “mãe” na infância? Essa prática agora ganhou novos adeptos e se estendeu para adultos. Trata-se de um passatempo que utiliza bonecos incrivelmente realistas.
Conhecidos como “bebês reborn”, esses brinquedos imitam com precisão as características de crianças de verdade. Peso, tamanho, aparência e até a textura da pele buscam a perfeição. Esse fenômeno tem gerado muitos debates, principalmente nas redes sociais.
Propostas de Lei
Recentemente, uma história chamou atenção e reacendeu a discussão. Uma jovem de 25 anos na Bahia buscou atendimento de saúde em uma UPA para o que ela apresentava como seu bebê. Chegando lá, a equipe médica constatou que, na verdade, era um boneco hiper-realista.
Familiares explicaram que a jovem havia comprado o “bebê reborn” pela internet no mês anterior. O valor pago pelo boneco foi de R$ 2,8 mil. Esse caso específico gerou bastante repercussão.
A história da jovem baiana teve um desdobramento direto na política local. Um Projeto de Lei foi apresentado na Assembleia Legislativa da Bahia. A proposta visa proibir o atendimento a bonecos em unidades públicas de saúde do estado.
Além disso, o PL prevê a aplicação de multas significativas para quem insistir na prática. Os valores podem chegar a mais de R$ 30 mil. A medida também quer vetar o uso dos bonecos para obter benefícios destinados a crianças, como filas preferenciais.
A discussão chegou também ao Congresso Nacional. Outro Projeto de Lei semelhante tramita na Câmara dos Deputados. O objetivo é abordar a questão sob um viés psicológico para os donos desses bonecos.
Diante de tantos ângulos para esse fenômeno, a reportagem buscou diferentes vozes. Conversamos com alguém da comunidade “reborn” na capital baiana para conhecer a prática. Ouvimos também uma especialista em saúde mental para entender se esse apego é saudável.
Profissionais de direito também foram procurados. A ideia era saber quais os limites legais para quem se dedica a cuidar desses bonecos. Como a justiça encara tudo isso?
O Mercado dos Bebês Reborn
Quem faz e quem compra esses bonecos tão realistas? A comunidade “reborn” inclui artistas, colecionadores e admiradores. Rosana Mascarenhas, artesã da maternidade Zana Reborn, fala sobre o assunto. Ela explica que o público consumidor é bastante variado, indo de crianças a idosos.
O valor de um bebê reborn pode variar bastante. O preço mínimo gira em torno de R$ 1.500. Quanto mais detalhes e realismo, maior o investimento. Materiais como olhos de vidro ou cabelo humano influenciam no custo final.
A artesã fala que a popularização nas redes sociais impulsionou as vendas. Colecionadores e o público mais jovem demonstram grande interesse. A confecção de um boneco é minuciosa e leva de 15 a 30 dias. Todo o processo é manual, buscando o máximo de realismo.
O segmento de fabricação de brinquedos, onde os bebês reborn se encaixam, mostra crescimento. Dados do Sebrae, baseados na Receita Federal, apontam uma expansão na Bahia entre 2018 e 2025. Atualmente, existem 95 empresas ativas no estado nesse ramo.
- Microempreendedor Individual (MEI): 71 (75%)
- Microempresa (ME): 22 (23%)
- Empresa de Pequeno Porte (EPP): 2 (2%)
Em Salvador, a capital, são 24 entidades ativas. Desse total, 19 são MEIs e 5 são MEs.
O Olhar da Psicologia
Por que esses bonecos causam tanto estranhamento em algumas pessoas? A psicóloga Amanda Sacramento, do Conselho Regional de Psicologia, aborda esse ponto. Ela usa o conceito freudiano de “estranho familiar”.
Segundo ela, é quando algo muito comum, como uma boneca, se torna perturbador por ser realista demais. Uma boneca remete a brincadeiras e infância, certo? Mas quando ela parece um bebê de verdade, pode gerar medo ou repulsa. Isso mexe com algo profundo em nós.
Ela também associa o fenômeno ao uso de objetos para lidar com perdas ou traumas. Em situações difíceis, algumas pessoas se apegam a coisas que as ajudam a manter a memória de alguém vivo. Pode ser ouvir um áudio antigo, por exemplo.
No caso dos bebês reborn, o apego pode estar ligado ao desejo de ser mãe. Ou talvez simbolize a falta de alguém especial. Em alguns casos, pode até preencher uma solidão profunda. A psicóloga reforça que é crucial olhar para isso com atenção.
A “explosão” dos bebês reborn tem múltiplos fatores. A psicóloga aponta que não se trata apenas de questões emocionais individuais. É preciso considerar marcadores sociais como raça, classe e gênero, além do impacto do capitalismo.
Ela menciona que, para uma mulher branca, o boneco pode simbolizar a ausência de um filho. Já para mulheres negras, que historicamente cuidaram dos filhos de outros, a relação com o afeto e a maternidade é complexa. O tema exige uma análise mais profunda.
E qual o papel das redes sociais nisso? A psicóloga critica a forma como as histórias são tratadas online. Ela vê a internet transformando o sofrimento em um espetáculo. Uma mulher com seu boneco vira alvo de piadas e deboche, o que é uma forma de violência.
Ela defende que a discussão vá além da Psicologia. O tema deveria envolver Medicina, Pedagogia e Serviço Social. É importante entender que nem todo caso é patológico. Algumas mulheres, mesmo sabendo que é um boneco, encontram nele companhia e afeto. Esse lado humano e afetivo merece respeito.
O Que Diz a Lei?
Será que os “pais” de bebês reborn têm algum amparo legal? Casos curiosos chegam à Justiça, como a disputa pela guarda de um boneco. Mas a lei brasileira enxerga a situação de forma diferente.
Segundo a advogada Carina Gomes, não há reconhecimento jurídico para os bebês reborn como pessoas. Isso significa que eles não podem ter registro civil ou serem incluídos como dependentes em planos de saúde ou INSS. Ações judiciais baseadas em parentesco também não são possíveis.
A advogada é clara ao explicar que os bonecos não geram efeitos legais no campo do Direito Social ou Previdenciário. Eles não são sujeitos de direito. Não existe nascimento biológico, adoção ou guarda judicial envolvida.
Na prática, isso limita o acesso a certos benefícios. As chamadas “mães de bebês reborn” não têm direito a licença-maternidade, salário-maternidade ou pensão por morte. Qualquer benefício ligado à existência de um dependente real não se aplica a um boneco.
A lei reconhece apenas relações familiares que são formalizadas e têm efeitos legais. Essa é a base para entender os limites jurídicos nesse contexto.