No mês dedicado à prevenção do suicídio e à conscientização sobre saúde mental, pesquisadoras da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) contaram ao Bahia Notícias como estão os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no interior da Bahia. A narrativa mistura esforço, limitações e consequências concretas para quem busca atendimento.
RAPS: porta de entrada
A equipe explicou que a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) funciona como a porta de entrada para diferentes níveis de cuidado — desde o CAPS até residências terapêuticas e unidades de acolhimento. Em palavras da pesquisadora Iandra Ferreira, “a RAPS funcionava como porta de entrada para um sistema amplo, com CAPS, residências terapêuticas e outras modalidades de acolhimento”.
Desigualdades entre municípios
Nem todo município vive a mesma realidade. Enquanto cidades maiores tendem a ter redes mais consolidadas, localidades menores enfrentam dificuldade para manter equipes e equipamentos. Muitas dessas pequenas cidades se organizaram em consórcios por falta de financiamento, mas isso também cria fragilidade quando muda a gestão política.
Um exemplo citado é o do CAPS Itinerante em Riachão do Jacuípe, criado por um enfermeiro ligado à UEFS para atender áreas rurais. O serviço chegou a ser elogiado por instituições acadêmicas e pelo Coren-BA, mas perdeu recursos após alteração na gestão — e houve demissão de profissionais.
Segundo o Censo do IBGE de 2022, Riachão do Jacuípe tinha cerca de 33 mil habitantes, com quase 15 mil vivendo na zona rural, o que mostra a dimensão do desafio de levar cuidado a quem mora longe dos centros.
Dados que preocupam
Em 2024, a Bahia registrou mais de 1.000 internações por depressão, um indicativo da crescente demanda por atenção especializada. As pesquisadoras também apontaram que a precarização das relações de trabalho nos CAPS — salários baixos e atrasos nos pagamentos — desmotiva as equipes e prejudica o cuidado.
Sinara Souza sintetizou o problema: “A precarização dos vínculos profissionais gerou desmotivação e impactou diretamente o cuidado prestado”.
Taxas de óbito por município (por 100 mil habitantes)
As pesquisadoras observaram valores mais elevados em municípios de pequeno porte:
- Ibicaraí: 15
- Morpará: 12,5
- Pau Brasil: 10,9
- Rodelas: 10,8
- Itapebi: 10,3
- Mulungu do Morro: 10
Em contraste, cidades maiores apresentaram taxas menores:
- Feira de Santana: 0,7
- Salvador: 0,5
- Vitória da Conquista: 0,6
As pesquisadoras alertam que essas taxas não são diretamente comparáveis por causa das diferenças de escala e da oferta de serviços entre municípios.
Capacidade da rede e lacunas
Em junho, o estado contava com 281 CAPS: 18 unidades voltadas ao tratamento de dependência de álcool e outras drogas, 12 direcionadas a crianças e adolescentes e 205 em municípios com até 15 mil habitantes. Ainda assim, há lacunas importantes, como a ausência de unidades de acolhimento para adultos e a falta de CAPS III com atendimento 24 horas.
Também foi ressaltado o problema do estigma: em Feira de Santana, unidades lançaram campanhas para explicar o papel dos CAPS diante de postagens irônicas nas redes sociais. Como observou Iandra Ferreira, “havia uma violência simbólica nas redes; era preciso reconhecer o usuário do CAPS como cidadão que deve acessar a atenção básica e outros serviços de saúde”.
Além dos CAPS, a rede estadual dispunha de Serviços Residenciais Terapêuticos: 5 unidades SRT I e 12 SRT II — número que, segundo as pesquisadoras, continua insuficiente para a demanda.
Conclusão
O retrato apresentado pela UEFS mostra um sistema que funciona como porta de entrada, mas que sofre com financiamento insuficiente, condições de trabalho precárias, estigma e instabilidade política. A mobilização durante a campanha de prevenção ao suicídio em setembro reforça a necessidade de avanços em políticas públicas que garantam acesso, continuidade dos serviços e condições laborais adequadas para quem cuida da saúde mental.