Um novo estudo traz um retrato mais detalhado de como a Cratera Jezero, em Marte, viveu episódios de interação entre água e rocha — cenários que, em alguns momentos, poderiam ter sido favoráveis à vida. A pesquisa foi publicada no Journal of Geophysical Research e saiu pouco depois do comunicado da NASA, divulgado 10 dias antes, sobre a possível bioassinatura numa rocha analisada pelo rover Perseverance.
O que foi analisado
Os pesquisadores examinaram um conjunto de 24 minerais que registram a história geológica da cratera. Os dados vieram do instrumento PIXL, a bordo do Perseverance desde 2021, e foram interpretados com o apoio do algoritmo MIST (Identificação Mineral por Estequiometria), desenvolvido na Universidade Rice. Para dar robustez às conclusões, a equipe rodou milhares de simulações estatísticas — parecidas, em método, com as que meteorologistas usam para prever furacões.
“As rochas vulcânicas estudadas interagiram com água líquida em diversas ocasiões, criando ambientes que poderiam ter sido favoráveis à vida”, disse Eleanor Moreland, estudante de pós‑graduação da Universidade Rice, no Texas.
O que os minerais contam
Os sinais na composição mineral mostram fases diferentes ao longo do tempo. Primeiro, há evidências de fluidos quentes e ácidos: minerais como greenalita, hisingerita e ferroaluminoceladonita apontam para condições mais agressivas, menos propícias à vida tal como a conhecemos.
Em estágios posteriores aparecem indicadores de águas mais frias e neutras, que deram origem a minerais como minnesotaíta e clinoptilolita. Em várias áreas também foi identificada sepiolita, ligada a ambientes frios e alcalinos — contextos frequentemente citados como mais hospitaleiros para microrganismos.
“Condições ácidas e de alta temperatura não eliminam totalmente a possibilidade de vida, pois organismos terrestres sobrevivem em ambientes extremos”, afirmou a coautora Kirsten Siebach.
O estudo confirmou ainda a presença de blocos vulcânicos — piroxênio, feldspato e olivina — o que sugere que o piso da cratera se formou por fluxos de lava que depois foram alterados pela ação da água. Entre as amostras coletadas pelo Perseverance está a 25ª amostra, retirada em julho de 2024 de uma rocha apelidada de Cânion Safira; porém, a nova pesquisa não avaliou diretamente essa amostra.
E a possível bioassinatura anunciada pela NASA?
A equipe fez um esforço para contextualizar o comunicado da NASA — relatado em artigo na Nature — e ressalta que existem explicações não biológicas plausíveis para os sinais observados. Como se confirma a origem orgânica? Só análises laboratoriais feitas na Terra poderão dar resposta definitiva.
O algoritmo MIST foi destacado como ferramenta importante para priorizar quais amostras têm maior valor científico e, assim, orientar decisões sobre o que trazer para análises detalhadas em laboratórios terrestres.
Os planos oficiais de retorno de amostras — o programa MSR, hoje projetado para 2035 — enfrentam incertezas por cortes orçamentários; Sean Duffy, administrador interino da NASA, disse que a agência busca alternativas mais rápidas e baratas. Paralelamente, a China segue com a missão Tianwen‑3, que pretende coletar pelo menos 500 gramas de material em 2028 e devolver amostras até 2031, o que poderia antecipar a chegada de material marciano aos laboratórios.
Resumo e desdobramentos
Em resumo: o estudo analisou 24 minerais em Jezero e concluiu que múltiplos episódios de interação água‑rocha criaram ambientes variados — de aquosos e neutros a quentes e ácidos — alguns dos quais poderiam ter sido potencialmente habitáveis. A confirmação de qualquer origem biológica, no entanto, depende de análises em terra e da priorização cuidadosa das amostras que serão trazidas para estudo.