Uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), assinada pelo ministro Flávio Dino na terça‑feira (16), suspendeu a ordem de reintegração de posse sobre cerca de 3.121 hectares em Trancoso, no município de Porto Seguro, no sul da Bahia. A decisão também proibiu a prática imediata de atos expropriatórios — entre eles o leilão marcado para 28 de agosto de 2025 — e determinou a indisponibilidade dos registros imobiliários da área.
O que decidiu o STF
O objetivo da liminar não foi julgar de vez se a ocupação indígena é tradicional. Em vez disso, o ministro suspendeu a execução da reintegração e impediu medidas que pudessem tornar irreversível a situação, até que se apure a regularidade documental que embasou a venda do imóvel.
Por que a reintegração havia sido determinada
A reintegração tinha sido decretada pela Justiça Federal de Eunápolis com base no título de propriedade registrado em nome da Itaquena S.A. – Agropecuária, Turismo e Empreendimentos Imobiliários. Naquele entendimento, a ocupação indígena seria recente, precária e incompatível com o status de unidade de conservação do Refúgio de Vida Silvestre do Rio dos Frades (Revis).
Como isso chegou a esse ponto? O ministro apontou indícios de nulidade no registro da empresa e pediu uma verificação mais aprofundada sobre a legitimidade do título que originou a alienação da terra.
Pontos que chamaram atenção
Segundo o despacho, a área chamada Conjunto Rio dos Frades foi alienada em 1979 pelo Estado da Bahia à empresa por um procedimento administrativo excepcional. Como o imóvel tinha extensão maior, a transferência exigiria autorização prévia do Senado Federal, conforme o artigo 171, parágrafo único, da Constituição de 1967 — e não há nos autos comprovação de que essa autorização tenha sido obtida. Para o ministro, isso tornou plausível a suspeita de irregularidade no título.
Além disso, a decisão mencionou reportagens sobre investigações que citam um suposto esquema de corrupção e grilagem de terras no sul da Bahia. As matérias relataram o afastamento cautelar de magistrados pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), no âmbito de apurações sobre crimes como corrupção, lavagem de dinheiro, grilagem de terra, fraude processual e agiotagem. Esse contexto reforçou, segundo o STF, a necessidade de cautela e de exame rigoroso da documentação dominial.
O que foi determinado na prática
O ministro determinou que o juízo de origem procedesse à apuração da legalidade do título da Itaquena S.A., com a juntada de toda a documentação comprobatória, inclusive eventual autorização do Senado Federal. Enquanto essa verificação estiver em curso, a área ficará sob custódia judicial e fica vedada a realização de novas ocupações irregulares.
Foram intimados a se manifestar:
- Ministério Público Federal (MPF)
- Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
- Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
- O Estado da Bahia
- A própria Itaquena S.A., que teve prazo para apresentar defesa.
A liminar passou a produzir efeitos imediatos e foi levada a referendo da Primeira Turma do STF.
Próximos passos
Importante destacar que a decisão do STF não resolveu a questão sobre a tradicionalidade da ocupação indígena. Esse ponto seguirá em análise no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), onde tramitam recursos contra a decisão de primeira instância. Por ora, o foco da decisão foi proteger o patrimônio público e garantir a observância estrita das exigências legais para a alienação de terras públicas.