Existe uma condição rara em que o próprio corpo produz álcool — a síndrome da fermentação intestinal, também chamada de autocervejaria ou autofermentação (no Japão, meitei-sho).
O que é
A síndrome foi descrita pela primeira vez em 1946 e, desde 1974, apenas cerca de 20 casos aparecem na literatura médica em inglês. Em pelo menos um processo judicial na Bélgica, um homem foi absolvido depois de demonstrar que produzia etanol dentro do próprio organismo — um exemplo de como esse fenômeno pode ter consequências reais além da saúde.
Como acontece
Na prática, fungos e bactérias do trato digestivo transformam carboidratos em etanol. Isso costuma ocorrer no intestino delgado, que acaba funcionando como uma pequena “destilaria”. As espécies mais associadas são Saccharomyces e Candida.
Alguns fatores aumentam a chance disso ocorrer: uso repetido de antibióticos (que eliminam bactérias benéficas), doenças intestinais como a doença inflamatória intestinal ou síndrome do intestino curto, condições crônicas como diabetes e doenças hepáticas, e até predisposição genética. Uma dieta rica em carboidratos fornece o combustível para a fermentação.
Sintomas
Os sinais lembram intoxicação por álcool. Entre os mais relatados estão:
- embriaguez inexplicável;
- tontura;
- náuseas e vômito;
- fadiga;
- distúrbios do sono;
- problemas de memória.
Diagnóstico e tratamento
Para confirmar a causa, estudos recomendam investigar o trato gastrointestinal por meio de biópsia ou colonoscopia para identificar os microrganismos envolvidos, conforme relatado em caso publicado na revista BMJ Open Gastroenterology. O tratamento descrito inclui ciclos de antifúngicos direcionados, redução de carboidratos na dieta e uso de probióticos para tentar restaurar a microbiota. Em alguns casos, no entanto, houve resistência ao tratamento, exigindo abordagens alternativas.
Implicações forenses e clínicas
Do ponto de vista pericial, o etanol pode ser detectado no sangue por até 12 horas após a produção/consumo. A taxa média de metabolização do álcool estimada é entre 0,015 e 0,020 g/dL/h — uma referência aproximada de que leva cerca de uma hora para eliminar uma dose padrão. Esses números são usados em avaliações laboratoriais e legais.
Casos notórios ajudam a entender o impacto: nos Estados Unidos, um homem na Carolina do Norte foi parado com teor alcoólico no sangue de 0,2% — valor que, segundo peritos, corresponderia a cerca de 10 drinques por hora e a aproximadamente 2,5 vezes o limite legal. Situações assim mostram por que é importante considerar esta hipótese quando não há relato de ingestão.
Para lembrar
É uma condição rara, mas real. Quando pacientes apresentam sinais de intoxicação alcoólica sem terem bebido, médicos e peritos devem ter a fermentação intestinal entre as possibilidades — porque as decisões médicas e jurídicas podem depender disso. E, acima de tudo, quem passa por esses sintomas merece atenção e esclarecimento, não julgamento imediato.