Pesquisadores apresentaram em São Paulo um medicamento chamado polilaminina, produzido a partir de uma proteína extraída da placenta humana. Segundo a equipe, o fármaco — resultado de 25 anos de pesquisa liderada pela bióloga Tatiana Coelho de Sampaio, da UFRJ — pode estimular neurônios maduros a rejuvenescem e a formar novos axônios, abrindo caminhos para a regeneração da medula espinhal.
O que foi testado
A polilaminina foi desenvolvida em parceria com o laboratório Cristália e já passou por testes experimentais em humanos e em animais. Em estudos acadêmicos com oito voluntários, os resultados foram descritos como promissores; dois desses voluntários participaram da apresentação em São Paulo.
Em animais, os achados também chamaram atenção: em ratos os efeitos surgiram em cerca de 24 horas; em cães com lesões anteriores, houve retomada total da marcha em alguns casos. Em 2021, seis cães com lesões antigas foram tratados e quatro recuperaram movimentos — estudo publicado em revista científica internacional.
Relatos dos voluntários
Um dos participantes, o bancário Bruno Drummond de Freitas, de 31 anos, ficou tetraplégico após um acidente de trânsito e recebeu a aplicação 24 horas depois do trauma. Bruno relatou recuperação completa meses após o procedimento: “Em cinco meses, mais ou menos, eu já estava completamente recuperado. Tenho uma rotina normal, faço esportes e não passo mais por nenhum tipo de tratamento”, disse ele.
A atleta paralímpica de rugby Hawanna Cruz Ribeiro, de 27 anos, que sofreu uma queda de dez metros em 2017 e recebeu o tratamento três anos após o acidente, informou recuperação parcial: cerca de 60% a 70% do controle do tronco e melhora na sensibilidade da bexiga, embora ainda não seja totalmente independente nessa função.
O neurocirurgião Marco Aurélio Brás de Lima, envolvido nos estudos, considerou o achado inédito: “Isso é uma coisa inédita. Porque nenhum estudo tinha demonstrado isso até o momento. No mundo”, afirmou.
Produção e próximas etapas
A produção da polilaminina foi transferida para a planta de biotecnologia do Cristália, onde a matéria-prima vem de placentas doadas por mulheres acompanhadas durante a gestação. O fundador do laboratório, Ogari Pacheco, definiu o momento como histórico: “Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Estamos vivendo um dia histórico para o mundo”, declarou.
No entanto, autoridades e pesquisadores pedem cautela. A Anvisa ainda precisa autorizar estudos clínicos ampliados para avaliar, em maior escala, a segurança e eficácia do tratamento. Como explicou Claudiosvan Martins, coordenador de pesquisa clínica da Anvisa, os estudos iniciais foram acadêmicos e agora são necessários testes complementares para atender aos requisitos regulatórios, especialmente de segurança.
Se aprovado, o procedimento inicial deve ser oferecido apenas a pacientes com lesão medular recente — até três meses após o trauma — e hospitais de São Paulo, como o Hospital das Clínicas e a Santa Casa, já teriam infraestrutura preparada para as aplicações.
O processo de patente da polilaminina foi iniciado e pode levar anos até ser concluído. Os pesquisadores afirmam que, se os resultados se mantiverem em estudos maiores, o tratamento pode se tornar uma das descobertas mais relevantes para a medicina.
Resta, portanto, acompanhar as próximas fases de pesquisa com atenção e cuidado: os primeiros sinais são animadores, mas é preciso confirmar segurança e eficácia em estudos mais amplos antes de transformar esperança em prática clínica.