Em setembro, mês de prevenção ao suicídio, o Bahia Notícias dedicou uma série de reportagens à pressão por resultados no esporte amador e ao impacto disso na saúde mental de jovens atletas. O foco foi nas categorias de base do futebol brasileiro e no chamado “funil estreito”, onde um estudo da Revista Brasileira de Ciências do Esporte estimou em 1,5% a chance de uma criança virar jogador profissional.
Uma trajetória de cobranças e lesões
O relato do atleta amador e engenheiro Aristides Neto, hoje com 30 anos, ilustra bem esse cenário. Ele passou por categorias de base de clubes como Vitória, Bahia, Avaí e Flamengo, além de experiências no exterior. Segundo Aristides, a cobrança constante — vindas dele mesmo e da família — foi um fator que pesou demais em sua vida pessoal e no desenvolvimento esportivo.
Aristides descreve episódios de lesões que comprometeram suas oportunidades. Em Nova Lima (MG), sofrera um estiramento na coxa em jogo contra o Cruzeiro Sub‑20, ficou dois meses em tratamento, voltou e lesionou o mesmo local novamente, precisando de mais quatro meses de recuperação; com a desclassificação do time no Campeonato Mineiro, foi dispensado. Em outra tentativa, fez teste no Bragantino, mas teve amigdalite que chegou a dificultar a respiração. Mesmo medicado e mantendo treinos, o rendimento caiu, ele passou por cirurgia e acabou desanimando.
Recomeço e impacto emocional
Depois do futebol, Aristides encontrou no triatlo — que reúne natação, ciclismo e corrida — uma nova caminhada. Passou a competir em provas de longa distância, participou de maratona e até de um Ironman. Ainda assim, a transição veio acompanhada de um período difícil na saúde mental entre os 22 e 25 anos: choro ao assistir partidas, aumento no consumo de álcool e sofrimento na família.
Ele resume esse período com franqueza: “Entre os 22 e os 25 anos, foi bem difícil para minha saúde mental. Eu não conseguia assistir nenhuma partida de futebol que eu chorava. Comecei a beber muito. Sempre via minha mãe chorando… foi muito doloroso. Mas depois disso eu segui meu caminho, segui minha vida.”
O que dizem os profissionais
A psicóloga esportiva Joanna Koehne — pós‑graduanda em Psicologia do Esporte pela PUC‑RS e formada pela Universidade Federal da Bahia — reforça a importância de humanizar o acompanhamento de atletas e ampliar o acesso ao atendimento psicológico.
Joanna destaca que atletas são pessoas completas: questões pessoais e familiares muitas vezes se misturam com o sofrimento ligado ao esporte. Procurar um psicólogo do esporte não significa falar só sobre desempenho; trata‑se de uma conversa sobre a vida inteira do atleta.
Entre as principais queixas levantadas entre atletas baianos, Joanna aponta:
- frustração por objetivos não alcançados;
- ansiedade antes das competições;
- dificuldade em lidar com a não‑validação por parte dos clubes.
Para ela, a psicologia esportiva funciona como complemento de uma rede de apoio: ajuda a gerir o sofrimento, prevenir problemas e reorientar metas — inclusive identificando quando é hora de desistir de um objetivo para buscar outro.
Conclusão
A série do Bahia Notícias procurou mapear essas realidades e possibilidades de suporte multidisciplinar para reduzir riscos psicológicos associados à pressão por desempenho nas categorias de base. A história de Aristides e as análises de profissionais como Joanna mostram que, além de treinamentos físicos, é urgente cuidar da saúde mental dos jovens atletas.