O cantor Nattan está no centro de uma grande polêmica depois de um vídeo viralizar nas redes sociais. Na gravação, feita durante um show em Pernambuco, ele oferece R$ 1 mil para que um homem da plateia beije uma mulher com nanismo. O episódio, que aconteceu no sábado (2), na tradicional Festa de Agosto em São Lourenço da Mata, região metropolitana do Recife, rapidamente se espalhou pela internet e reacendeu discussões sobre capacitismo no Brasil. Não demorou para a Associação Nanismo Brasil (Annabra) se manifestar: classificou a cena como “violência simbólica” e anunciou providências legais contra o artista.
O que realmente aconteceu no show de Nattan?
Imagine só: no meio da apresentação, enquanto cantava “Pense em mim”, aquele clássico de Leandro & Leonardo, Nattan interrompe tudo e chama alguns fãs ao palco. Até aí, tudo certo. Só que, em seguida, o cantor pega uma mulher com nanismo no colo, a coloca em cima de um caixote e propõe um PIX de mil reais para quem se atrevesse a beijá-la, diante de todo mundo. Dois convidados recusaram. Quem acabou aceitando foi um cinegrafista do evento, Marcos Ferreira, que subiu ao palco, beijou a mulher enquanto Nattan filmava e ria, segurando a câmera.
“Ele pode até perder o emprego, mas os mil reais ele não perde”, disparou Nattan, em tom de piada, durante o momento que sua própria equipe gravou e postou com a legenda “BEBÊ REBORN saliente da gota 😂”. Depois da enxurrada de críticas, mudaram para “casal saliente da gota”. O cinegrafista também fez questão de postar o vídeo: “quando o beijo vale mil e ainda vem com risada e bolso cheio… Aí sim é trabalho com gosto”, brincou.
Afinal, o que é capacitismo?
Talvez você já tenha ouvido falar, mas nunca parou para pensar: capacitismo é aquele preconceito — às vezes sutil, outras vezes escancarado — contra pessoas com deficiência. Segundo a senadora Mara Gabrili, referência na luta pelos direitos desse grupo, o erro do capacitismo está em reduzir alguém à sua deficiência, ignorando tudo o que essa pessoa é e pode fazer.
Na prática, esse tipo de preconceito aparece em piadas, brincadeiras constrangedoras, exclusão do convívio social e até dificuldades de acesso ao trabalho. Às vezes, é pura ignorância. Em outras, crueldade mesmo. E não se engane: pequenas atitudes “inocentes” podem causar danos enormes, perpetuando a ideia de que pessoas com deficiência não são dignas de respeito ou autonomia.
A Associação Nanismo Brasil foi clara na sua indignação: “Expor uma mulher com deficiência ao ridículo não humilha só ela, mas toda a nossa comunidade”, alertou em nota. O risco? Normalizar esse tipo de situação faz com que preconceitos antigos se repitam, sempre mascarados de ‘entretenimento’.
E o que diz a lei?
No Brasil, não é só falta de bom senso — é crime mesmo. O artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência), de 2015, deixa claro: praticar, induzir ou incitar a discriminação contra pessoa com deficiência pode render de 1 a 3 anos de prisão, além de multa. Mas se o preconceito se espalhar por redes sociais ou meios de comunicação, como foi o caso do Nattan, a pena sobe para 2 a 5 anos de prisão.
Ou seja: além do constrangimento e da repercussão negativa, há risco de consequências sérias na Justiça. O alcance da internet só agrava a situação.
Consentimento: a questão que muita gente ignora
Um argumento comum em casos assim é dizer que “ah, mas a pessoa participou, não reclamou”. Só que, como bem lembrou a Associação Nanismo Brasil, o consentimento individual não representa toda uma comunidade. Ou seja: o fato de uma pessoa com nanismo topar participar da cena não faz disso algo aceitável ou divertido para os demais — muito menos para a luta coletiva por respeito e igualdade.
Esse é um ponto fundamental: respeito não é uma escolha individual. É um direito de todos. Quando atitudes assim se repetem e ganham palco, reforçam estereótipos e atrasam as conquistas de quem luta por inclusão todos os dias.
E agora, o que acontece?
A Annabra informou que vai levar a denúncia ao Ministério Público, cobrando que tudo seja apurado e as devidas providências tomadas. No mesmo comunicado, a entidade fez um apelo para que artistas, imprensa e sociedade usem seu alcance para promover respeito e inclusão — e não para propagar velhos preconceitos.
Até o momento, a assessoria de Nattan não respondeu aos pedidos de posicionamento. A prefeitura de São Lourenço da Mata, que organizou a festa, também preferiu não se manifestar.
No fim das contas, esse caso serve como um lembrete urgente: precisamos falar mais sobre capacitismo, reconhecer que ele existe — até quando a intenção não é ruim — e agir para mudar. Como diz Mara Gabrili: “O problema não está em perceber que temos algum preconceito, mesmo que sem querer. O erro é não querer mudar.”
Como combater o capacitismo no dia a dia?
Não precisa de grandes gestos para fazer diferença. Pequenas atitudes já mostram respeito e promovem inclusão. Que tal começar assim?
- Esqueça piadas e brincadeiras que ridicularizam pessoas com deficiência.
- Veja além da deficiência: cada pessoa é única e cheia de potencial.
- Respeite a autonomia e as decisões de quem tem deficiência.
- Informe-se sobre a Lei Brasileira de Inclusão e direitos das pessoas com deficiência.
- Presenciou preconceito? Denuncie, ligue para o Disque 100.
O caso Nattan é um alerta: quem tem visibilidade, seja artista, influencer ou líder, precisa pensar duas vezes antes de transformar preconceito em “conteúdo”. Mais que nunca, respeito e empatia devem ser os verdadeiros protagonistas de qualquer palco — na música, na internet, na vida.
Nattan pagou R$ 1 mil para homem beijar mulher com nanismo em show.
Associação Nanismo Brasil (Annabra) disse que artista expôs mulher ao ridículo e que vai denunciar caso ao Ministério Público. pic.twitter.com/QAyeUUHfYX
— QG do POP (@QGdoPOP) August 6, 2025