Enquanto pacientes de Paulo Afonso são transportados em ambulâncias lotadas para outras cidades porque o centro cirúrgico do Hospital Nair Alves de Souza está fechado há seis meses, a prefeitura do município baiano aprovou contratos de mais de R$ 1 milhão para compra de água mineral. O contraste revela uma gestão que prioriza o conforto administrativo em detrimento de necessidades básicas da população, gerando revolta entre moradores que veem seus direitos fundamentais negligenciados.
A denúncia foi feita pelo vereador Jailson Oliveira (PP), que questionou publicamente os gastos exorbitantes da gestão do prefeito Mário Galinho (PSD). Os três contratos, publicados no Diário Oficial em 25 de julho, somam exatos R$ 1.129.150,00 e preveem o fornecimento de água mineral para “atender às necessidades do complexo administrativo municipal”. Para se ter uma dimensão do volume, esse valor equivale a mais de 2 milhões de copos de água por ano, ou cerca de 171 mil copos mensais.
O drama humano por trás dos números
Mas o que esses números realmente significam para quem precisa de atendimento médico em Paulo Afonso? Desde janeiro, quando o centro cirúrgico do Hospital Nair Alves de Souza foi interditado, pacientes que necessitam de cirurgias de urgência e pessoas em estado crítico são obrigadas a enfrentar viagens de horas em ambulâncias superlotadas até hospitais de cidades vizinhas.
“Estamos diante de um escândalo silencioso, mas devastador. O que acontece em Paulo Afonso não é só um problema do Centro Cirúrgico com as portas fechadas — é uma negligência com vidas humanas. É uma tragédia institucionalizada”, desabafa o ex-vereador Marconi Daniel (PT), que tem usado suas redes sociais para denunciar o descaso com a saúde pública municipal.
A situação se torna ainda mais dramática quando se considera que Paulo Afonso é conhecida nacionalmente como a “Capital da Energia”, um símbolo de turismo e desenvolvimento. No entanto, seus próprios moradores não conseguem ter acesso a serviços básicos de saúde em sua própria cidade. O contraste é gritante: enquanto sobra dinheiro para água mineral premium, falta investimento para manter funcionando um centro cirúrgico que pode salvar vidas.
O que dá pra fazer com R$ 1 milhão?
Para dimensionar o impacto desse gasto, vale fazer alguns cálculos. Com R$ 1 milhão, seria possível contratar aproximadamente 20 médicos especialistas por um ano, considerando um salário médio de R$ 4.000 por mês. Alternativamente, o valor permitiria adquirir equipamentos médicos essenciais, como um aparelho de ressonância magnética básico, que custa em torno de R$ 800 mil.
Pensando em medicamentos, esse valor poderia garantir o abastecimento completo da farmácia básica municipal por mais de dois anos, atendendo milhares de pacientes que hoje enfrentam desabastecimento. Na área de infraestrutura hospitalar, R$ 1 milhão seria suficiente para reformar e reequipar completamente o centro cirúrgico que está fechado, devolvendo dignidade e segurança ao atendimento médico local.
A matemática é simples, mas o impacto é profundo: cada copo de água mineral premium que será consumido na prefeitura representa recursos que poderiam estar salvando vidas ou aliviando o sofrimento de famílias inteiras.
Quem vende tanta água assim?
Os contratos citam três fornecedores:
Fornecedor | Valor (R$) |
---|---|
Sagitário | 562.000 |
Melo Distribuidora | 287.350 |
Manoel Evito | 279.800 |
O texto oficial fala em “futuro e eventual fornecimento”. Ora, se é eventual, por que amarrar mais de um milhão de reais? E se é para o futuro, por que não priorizar o presente — aquele em que pacientes continuam sendo jogados de ambulância em ambulância?
Quando “economizar” significa demitir
O cenário se torna ainda mais revoltante quando se analisa o tratamento dado aos trabalhadores municipais. Em janeiro, logo no início do mandato, o prefeito Mário Galinho publicou o Decreto 17/2025, determinando a rescisão de contratos de servidores públicos temporários sob a justificativa de “excepcional interesse público e necessidade de contenção de despesas”.
Mais de 1.400 servidores foram demitidos. Passados sete meses, muitos desses trabalhadores ainda não receberam suas rescisões, criando uma situação de desespero para famílias que dependiam desses salários para sobreviver.
A ironia é cruel: enquanto se alega necessidade de contenção de despesas para demitir trabalhadores, aprova-se sem pestanejar um gasto de R$ 1 milhão com água mineral. Um morador da cidade, que preferiu não se identificar, resumiu o sentimento geral: “A Prefeitura quer abrir comércio para vender água mineral? Já o valor a receber dos servidores demitidos em janeiro, até agora ele não pagou”.
Emergência que não resolve emergências
A gestão decretou estado de emergência em Saúde, Educação e Desenvolvimento Social – medida que permite compras sem licitação. Passou meio ano, e o que mudou? O centro cirúrgico segue trancado, escolas penam com a estrutura precária e famílias vulneráveis viram estatística. É a velha máxima: caneta na mão, mas olhar no show (foram mais de R$ 4 milhões em atrações artísticas no São João).
A revolta ferve nas redes
Enviar pacientes pra longe pode até sufocar suas vozes, mas não segura a internet. No perfil “Paulo Afonso Como Eu Vejo”, um post explodiu:
“Água mineral na prefeitura? Enquanto isso, o hospital…”
Centenas de comentários, print atrás de print, e pressão pública batendo forte. Marconi Daniel cutuca: “Se a folha de rescisões aparece como paga no TCM, por que os ex-servidores continuam de bolso vazio?”.
O silêncio que fala alto
Procurada para explicar a lógica por trás do gasto milionário com hidratação, a prefeitura não respondeu – até o fechamento desta reportagem. Ficam, então, as perguntas ecoando pelos corredores do hospital fechado:
- Por que água mineral é prioridade num cenário de crise?
- Como escolher fornecedores e cifras às pressas, enquanto pacientes encaram estradas?
- Quando os servidores demitidos vão receber o que é deles por direito?
Paulo Afonso merece mais
Paulo Afonso não é uma cidade qualquer. Berço da energia elétrica do Nordeste, ela já foi símbolo de progresso e desenvolvimento. Suas cachoeiras atraem turistas do Brasil inteiro, e sua importância estratégica para o país é indiscutível. Uma cidade com essa relevância merece uma gestão à altura de sua importância.
Os moradores de Paulo Afonso não estão pedindo luxos ou privilégios. Eles querem apenas o básico: um hospital que funcione, servidores que recebam seus direitos trabalhistas e uma gestão que priorize o essencial sobre o supérfluo. Querem uma prefeitura que entenda que cada real do orçamento público representa a confiança depositada pela população em seus representantes.
O caso dos R$ 1 milhão em água mineral se tornou um símbolo de tudo que está errado na gestão municipal. Não se trata apenas de um gasto questionável, mas de uma mentalidade que coloca o conforto dos gestores acima das necessidades básicas da população. É um retrato de prioridades invertidas que precisa ser corrigido com urgência.
Enquanto isso, pacientes continuam sendo transferidos para outras cidades, servidores aguardam seus direitos e a população de Paulo Afonso se pergunta quando terá uma gestão que realmente se preocupe com seu bem-estar. A resposta a essa pergunta pode estar nas próximas eleições, quando os moradores terão a oportunidade de mostrar que água mineral não mata a sede de justiça social.


