Em um palco improvável, o 60º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Goiânia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou a munição perfeita para uma de suas alfinetadas políticas mais afiadas. O alvo? Seu antecessor, Jair Bolsonaro. A arma? As próprias palavras de Donald Trump.
O Dito Pelo Não Dito no Congresso da UNE
Diante de mais de 10 mil estudantes, Lula não perdeu a chance de expor o que viu como uma grande contradição. Ele lembrou que Trump, além de ter pedido de forma atravessada para que o Brasil “não mexesse com Bolsonaro”, soltou uma pérola na televisão. “Ele disse ontem: ‘não sou amigo dele, mas ele é boa gente, fez o bem pro Brasil'”, contou Lula, com a ironia pingando de cada palavra.
A fala de Lula se referia a uma declaração de Trump na terça-feira (15). O ex-presidente americano, ao ser questionado, esclareceu: Bolsonaro “não é como se fosse um amigo meu. Ele é alguém que eu conheço […] como um representante de milhões de pessoas, os brasileiros”. Mesmo negando a amizade, Trump não deixou de defender o ex-presidente brasileiro, chamando os processos contra ele de “caça às bruxas”.
O Pano de Fundo: Uma Crise Diplomática em Ebulição
A ironia de Lula ganha contornos ainda mais dramáticos quando lembramos da tensão entre Brasil e Estados Unidos. No dia 9, Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros, uma medida pesada que começa a valer em 1º de agosto. Em uma carta a Lula, o americano foi direto ao ponto, ligando a sanção aos processos que Bolsonaro enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na carta, Trump não mediu palavras: “A forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro […] é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”.
A Resposta Firme do Brasil
De volta ao congresso da UNE, Lula deixou claro que o Brasil não vai baixar a cabeça. “A gente não aceita o presidente mandar uma carta dizendo que, a partir do dia 1º, se não libertar o Bolsonaro, vai taxar em 50%. Nós vamos responder da forma mais civilizada possível”, garantiu.
Com firmeza, ele reforçou um pilar da diplomacia brasileira: “A primeira coisa é que nós não aceitamos que ninguém, de nenhum país fora do Brasil, se meta nos nossos problemas internos”. A mensagem foi clara: o Brasil, mesmo sob pressão de uma superpotência, não se curva.
A Contradição que Lula Fez Questão de Expor
A jogada de Lula foi inteligente. Ele pegou a contradição de Trump e a colocou sob os holofotes. Como pode o presidente americano aplicar sanções econômicas tão duras para defender alguém que ele mesmo admite não ser seu amigo?
Essa inconsistência não passou batida. Analistas veem a atitude de Trump como uma forma de pressionar o Brasil, mas sem se comprometer totalmente com a defesa de Bolsonaro. Dizer que “não é amigo” soa como uma maneira de manter uma distância segura, caso a situação se complique.
O Momento Delicado de Bolsonaro
Tudo isso acontece em um momento crítico para o ex-presidente, que é réu no STF por uma suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. A Procuradoria-Geral da República, inclusive, já pediu sua condenação. A “defesa” de Trump, portanto, vem em um contexto de alta pressão judicial.
A situação toda é, no mínimo, curiosa: Trump defende publicamente alguém que não considera amigo, enquanto penaliza um país inteiro. Essa postura já causa desconforto até nos Estados Unidos, com empresários alertando para os prejuízos das novas tarifas.
O Futuro das Relações Brasil-EUA
Apesar do clima pesado, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, deixou uma porta aberta, afirmando que, “dadas as circunstâncias”, uma conversa entre Lula e Trump pode acontecer. O chanceler fez questão de frisar que qualquer negociação sobre as tarifas é responsabilidade exclusiva do governo federal.
A ironia de Lula, no fim das contas, foi mais do que uma simples provocação. Foi um recado de que o Brasil não aceitará pressões sem questionar sua lógica. Ao expor as contradições de Trump, o presidente brasileiro fortalece sua posição e mostra que, mesmo em meio a uma crise, o país não perde sua dignidade diplomática.