Um incremento de R$ 173 bilhões acima da correção inflacionária em uma década, de 2015 a 2024, colocou as emendas parlamentares no centro de um intenso confronto entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário no Brasil. A elevação dos valores, combinada com o caráter cada vez mais impositivo de sua execução, transformou essa verba em um ponto crítico na relação entre os Poderes da República.
Recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), surpreendeu ao declarar, em entrevista e em uma reunião a portas fechadas, que o Congresso Nacional estaria aberto a debater uma “corte na carne”, sinalizando uma possível revisão do modelo. Paralelamente, no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Flávio Dino relata ações que indicam sua disposição em alterar a obrigatoriedade da execução dessas emendas.
Histórico e Evolução
Até 2013, as emendas parlamentares não possuíam caráter impositivo, ou seja, o governo decidia quais seriam pagas, frequentemente utilizando-as como ferramenta de negociação por apoio político. No entanto, o cenário começou a mudar a partir do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando o Congresso, sob as lideranças de Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) e Eduardo Cunha (MDB-RJ), iniciou um movimento para tornar a execução das emendas obrigatória.
A escalada de valores e a imposição na execução das emendas se acentuaram durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), período em que uma aliança com o centrão consolidou o apoio parlamentar. Em 2015, o valor empenhado em emendas era de R$ 3,4 bilhões, resultando em uma média de R$ 5,8 milhões por congressista. Já no ano passado, 2023, esse montante saltou para impressionantes R$ 44,9 bilhões, com uma média de R$ 75,6 milhões por parlamentar.
Para o ano eleitoral de 2026, a Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê uma reserva de R$ 54,2 bilhões para as emendas. Desse total, 77% terá caráter impositivo, ou seja, será de execução compulsória por parte do governo federal.
Posicionamentos e Impasses
Embora Motta tenha mencionado a possibilidade de cortes, ele contextualizou sua fala na defesa de uma redução geral de benefícios tributários e gastos do Executivo. Em um encontro com o setor privado, ele reforçou a ideia de que cortes deveriam ocorrer nos três Poderes. Contudo, líderes partidários na Câmara dos Deputados afirmam que, no momento, o debate sobre alterações nas emendas não está em pauta.
No ambiente político, as declarações de Motta são interpretadas de diferentes maneiras. Alguns as veem como uma resposta à campanha recente nas redes sociais que critica o Congresso por defender privilégios. Outros, por sua vez, consideram que a própria condição de um corte mútuo entre os Poderes indica que nenhuma mudança substancial ocorrerá.
A perspectiva de uma concertação que envolva, por exemplo, o governo renunciando ao ganho real do salário mínimo, o Judiciário cortando “penduricalhos” e o Legislativo abrindo mão do poder adquirido com as emendas impositivas, é considerada remotíssima dentro do Congresso.
Atuação do Supremo Tribunal Federal
O STF começou a atuar no tema no final de 2022, na transição entre os governos Bolsonaro e Lula. Naquele período, a então presidente da corte, Rosa Weber, suspendeu as “emendas de relator”, que, embora não impositivas, eram usadas pela cúpula do Congresso para angariar apoio interno. A decisão foi posteriormente referendada pelos demais ministros.
Apesar da decisão, o Congresso adaptou-se, transferindo as verbas para as chamadas “emendas de comissão”. Em tese, a destinação desses recursos seria feita pelas comissões temáticas; na prática, a distribuição continuou sendo controlada por parlamentares da cúpula do Legislativo.
Indicado ao STF em 2024 pelo presidente Lula, o ministro Flávio Dino, ex-ministro da Justiça, tem intensificado o embate com o Congresso sobre o tema. Ainda em 2024, Dino determinou que a execução de emendas parlamentares pelo Executivo só ocorreria com total transparência, incluindo a abertura de contas específicas e a identificação nominal dos solicitantes. A medida também impôs restrições às emendas de comissão.
No último dia 27, o ministro conduziu uma audiência pública para discutir o assunto, com a participação majoritária de críticos do modelo atual. Há uma expectativa no Congresso de que Dino possa proferir novas decisões sobre o volume e a obrigatoriedade das emendas. Parlamentares veem esses movimentos como alinhados aos interesses do governo Lula, que busca retomar parte das verbas de investimento hoje geridas pelo Legislativo, o que pode escalar a crise entre os Poderes.