Uma intensa onda de calor que atinge a Europa provocou um cenário paradoxal no continente: recorde histórico na geração de energia solar e, simultaneamente, interrupções no fornecimento e blecautes em diversos países. Temperaturas acima de 40°C em regiões como Portugal, Espanha e França, e próximas a isso na Alemanha, elevaram a demanda por energia e expuseram vulnerabilidades na infraestrutura de distribuição.
Em junho, a energia solar na Europa atingiu o patamar mais alto já registrado para o mês, gerando 45 TWh, um aumento de 22% em comparação com o mesmo período do ano passado. O continente, que inclui o sexto maior produtor de energia solar do mundo, alcançou a marca de 50 GW de geração nas horas mais quentes do dia. Apesar desse crescimento significativo na capacidade de produção limpa, a demanda diária de energia na região cresceu 14%, impulsionada pelo uso de ar-condicionado, que subiu 6% mesmo em nações onde o equipamento não é amplamente popularizado.
Desafios na Distribuição
Os blecautes se tornaram uma rotina na Itália, com interrupções curtas, enquanto França e Espanha registraram paralisações em seus serviços ferroviários. Na última sexta-feira, dia 4, a capital da República Tcheca, Praga, enfrentou a paralisação do metrô com temperaturas de 37°C, e as causas do apagão estão sob investigação.
Problemas de manutenção e infraestrutura, aliados ao calor, levaram ao desligamento de várias termelétricas. Questões de refrigeração também afetaram o funcionamento de reatores nucleares na França e na Suíça. Na usina de Beznau, na Suíça, a preocupação foi além da operação, com o risco ambiental de elevar a temperatura do rio Aare e prejudicar a fauna e a flora locais.
“Apesar da enorme pressão, as redes europeias passaram no teste de resistência, e a energia solar desempenhou um papel importante para mantê-las em funcionamento.”
A afirmação é de Pawel Czyzak, diretor da Ember, um think-tank especializado no setor de energia. Ele acrescenta em seu estudo que
“o excedente de energia solar durante o dia ajudou a evitar mais apagões. No entanto, o uso de armazenamento de energia ainda é insuficiente, levando a uma redução no fornecimento após o pôr do sol. Isso se traduziu em um aumento acentuado nos preços da eletricidade.”
Impacto nos Preços e Soluções Futuras
Entre 24 de junho e 1º de julho, os preços da eletricidade registraram picos de 175% na Alemanha, 108% na França e 106% na Polônia. Interconexões entre as redes elétricas foram acionadas e ajudaram a mitigar que esses aumentos se traduzissem diretamente nas tarifas para o consumidor final, direcionando energia para os mercados mais necessitados durante a crise de calor.
No entanto, o sistema de distribuição de energia europeu necessita de investimentos significativos para expandir o número de interconexões e a capacidade de armazenamento em baterias. Czyzak enfatiza a necessidade de adaptação, prevendo que as ondas de calor se tornarão mais intensas no futuro.
“Soluções que possam ajudar a mitigar seus impactos, como armazenamento em baterias, interconexão, flexibilidade da demanda e tarifas dinâmicas, devem se tornar parte essencial do planejamento da rede e do projeto do mercado de energia.”
O especialista da Ember conclui que talvez a maior oportunidade resida em
“armazenar energia solar para ajudar a alimentar o ar condicionado até tarde da noite.”
A adequação da geração de energia limpa à sua distribuição eficiente é um desafio global, evidenciado por eventos como o apagão de 14 horas que afetou Espanha e Portugal em abril, quando falhas na regulação da tensão da rede foram identificadas como a causa principal.