Nesta quinta-feira (26), o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento sobre a responsabilidade de plataformas digitais por publicações criminosas ou danosas feitas por seus usuários. A decisão majoritária da Corte, com oito votos favoráveis e três contrários, estabelece as diretrizes para que as empresas do setor, conhecidas como big techs, possam ser responsabilizadas.
A pauta central do debate envolveu a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014 e considerado a “Constituição da internet” no Brasil. Este artigo prevê que as plataformas só seriam responsabilizadas pela não remoção de conteúdo após uma ordem judicial. A conclusão deste julgamento terá impacto direto em 344 processos que aguardavam definição no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Debate no Supremo Tribunal Federal
O julgamento analisou dois recursos que questionavam a necessidade de ordem judicial para a remoção de postagens ilícitas, como discursos de ódio, notícias falsas (fake news) ou conteúdos que prejudiquem terceiros. A maioria dos ministros defendeu que as plataformas podem ser responsabilizadas caso não removam publicações após notificação extrajudicial da vítima ou de seu advogado, e se a Justiça, posteriormente, confirmar o caráter ofensivo ou ilegal do conteúdo.
Ministros como Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores dos processos, votaram pela inconstitucionalidade do Artigo 19 em casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos graves, defendendo que as plataformas devem agir tão logo sejam notificadas extrajudicialmente. Para eles, em situações como racismo, incitação à violência ou apologia a golpes de Estado, a omissão das empresas as torna passíveis de responsabilização. Fux também sugeriu a criação de canais de denúncia sigilosa e monitoramento ativo das publicações.
Visões Divergentes sobre a Responsabilidade
O ministro Alexandre de Moraes, ao proferir seu voto a favor da responsabilização, citou exemplos de postagens racistas, antissemitas e homofóbicas, além de convocações para os atos de 8 de janeiro de 2023. Moraes enfatizou que “Isso não é liberdade de expressão, isso é crime” e criticou a falha na autorregulação das redes sociais.
Em contraste, os ministros André Mendonça, Edson Fachin e Kássio Nunes Marques votaram pela constitucionalidade do Artigo 19, defendendo a exigência de ordem judicial para a remoção de conteúdo. Fachin argumentou que a regulamentação deve ser feita pelo Congresso, por meio de legislação abrangente, e alertou para o risco de “censura colateral” caso a remoção ocorra sem prévia determinação judicial. Nunes Marques reforçou que a liberdade de expressão é uma “cláusula pétrea” da Constituição e que a legislação atual é suficiente para regular as plataformas.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, acompanhou a maioria, mas com uma ressalva importante: para crimes contra a honra (injúria, calúnia, difamação), a retirada de postagens danosas ainda dependeria de ordem judicial. Barroso defendeu que as empresas tenham um “dever de cuidado” em relação a conteúdos como pornografia infantil, instigação ao suicídio e atos de terrorismo.
Cármen Lúcia também votou pela responsabilidade das redes, enfatizando a necessidade de interpretar o Artigo 19 para casos de crimes contra a honra, mas sem permitir que a internet se torne uma “ágora em que haja 213 milhões de pequenos tiranos soberanos”.
Flávio Dino e Cristiano Zanin também seguiram a linha da maioria, com Dino propondo a aplicação do Artigo 21 do Marco Civil da Internet para casos de provedores que não tomam providências após notificação extrajudicial, e Zanin sugerindo a inconstitucionalidade parcial do Artigo 19 para conteúdos criminosos, sem a necessidade de aguardar decisão judicial.
Próximos Passos
Apesar da maioria formada sobre a responsabilidade, os magistrados ainda não chegaram a um consenso definitivo quanto ao tipo de punição e reparo que as plataformas deverão realizar. A próxima etapa é a aprovação da tese final, que detalhará as regras para a remoção de conteúdos antidemocráticos, discursos de ódio e ofensas pessoais, entre outros. A expectativa é que esta fase do julgamento seja concluída em breve, consolidando o entendimento que servirá de base para todos os tribunais brasileiros. Atualmente, o placar da divergência quanto à exigência de ordem judicial para remoção de conteúdo é de três votos para manter a exigência (qualquer conteúdo), cinco para manter apenas para crimes contra a honra, e três para derrubar a exigência de ordem judicial.