Uma decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) mexeu com o judiciário baiano nesta quarta-feira (21). Em sessão do Pleno, por maioria, foi julgado procedente um processo administrativo disciplinar contra o juiz Fernando Machado Paropat Souza. O motivo? Assinar decisões judiciais sem a devida leitura e análise dos autos.
Sabe aquela história de ter que ler tudo antes de assinar? Pois é, parece que nem sempre isso acontece, e o resultado pode ser sério. O caso envolveu decisões com alto impacto financeiro, chegando a R$ 124 milhões. E tudo isso acontece em paralelo às investigações da operação “Liga da Justiça”, que apura suspeitas de corrupção e tráfico de influência no judiciário.
A atuação em Barreiras e as decisões sem leitura
A penalidade de censura, aplicada conforme o voto da relatora, desembargadora Maria de Lourdes Medauar, veio pela atuação do juiz enquanto ele auxiliava remotamente a Vara Cível de Barreiras, no oeste da Bahia. Durante esse período, o juiz assinou três decisões que, segundo ele, foram elaboradas por estagiários. O detalhe? Ele assinou sem conferir nada antes.
A defesa do magistrado argumentou que os documentos foram subscritos eletronicamente, sem contato direto com estagiários ou servidores. Além disso, foi alegado que o juiz trabalhava sob forte pressão, acumulando trabalho em Barreiras e em Porto Seguro, sua comarca titular. A defesa insistiu que a conduta não foi intencional, mas sim um descuido diante da sobrecarga e falta de organização.
Divergências no julgamento e suspeitas
Nem todos concordaram com a pena de censura. O desembargador Roberto Maynard Frank, por exemplo, defendeu uma punição mais dura: a aposentadoria compulsória. Ele falou em indícios de um padrão de irregularidades, algo que ia além da assinatura sem leitura. Segundo o Corregedor, havia a possibilidade de manipulação do sistema eletrônico de distribuição de processos.
Como funcionaria essa suposta manipulação? De acordo com os autos, havia tentativas de protocolar ações sem a petição inicial. O objetivo seria garantir que elas fossem sorteadas e encaminhadas para a vara onde o juiz atuava. Se caíssem em outras varas (Segunda ou Terceira Cível), o advogado simplesmente não dava andamento. Só quando o processo ia para a Primeira Vara Cível (onde Paropat atuava) é que a petição inicial era anexada e o processo seguia.
Casos de alto valor e fora da Bahia
Esse padrão teria sido identificado em mais de um caso, incluindo aquele que gerou as decisões assinadas eletronicamente por Paropat sem leitura. O valor envolvido em um desses processos, conforme votos divergentes no julgamento, superava os R$ 124 milhões. Imaginou o impacto de assinar algo desse porte sem ler?
Em uma das decisões, por exemplo, foi determinado o cancelamento de garantias contratuais, a suspensão de crédito e a extinção de processos executivos. Tudo isso sem qualquer exame do mérito ou conferência das minutas que, lembre-se, foram redigidas por terceiros.
E tem mais: um ponto importante nos autos foi a falta de vínculo entre os processos e o foro da Bahia. Os litígios envolviam imóveis em outros estados, como o Paraná, e contratos que fixavam foro em São Paulo. Mesmo assim, os processos foram parar e tiveram decisões proferidas na comarca de Barreiras.
No entanto, a relatora, em seu voto, destacou que não foram encontradas provas de que o juiz tenha obtido alguma vantagem ilícita ou agido de má-fé nas decisões analisadas. A decisão final, pela pena de censura, foi tomada pela maioria dos votos no pleno do TJ-BA. O julgamento teve divergências, mas concluiu que houve, sim, negligência funcional por parte do juiz, embora sem comprovação de intenção dolosa nas ações.