Imagine o Brasil, com seu território continental, recursos naturais estratégicos e a maior população da América Latina, decidindo se tornar uma potência militar. Pense em caças patrulhando o Atlântico Sul, submarinos de propulsão nuclear garantindo dissuasão estratégica, e uma indústria bélica exportando produtos de defesa com elevada densidade tecnológica para países vizinhos. Soa como ficção?
Para especialistas, esse projeto é possível, mas está longe de ser realidade. A Índia, por exemplo, era até os anos 1990 um país muito dependente de importar armas. Hoje, a situação é outra.
A Índia se tornou o 4º maior gastador militar do mundo, com US$ 72 bilhões em 2023, segundo dados internacionais. Eles dominam a produção de mísseis nucleares e até exportam drones para potências como os EUA. Como ela chegou lá? Com uma estratégia clara: priorizou defesa como política de Estado, não de governo.
Enquanto isso, o Brasil – que já teve a 6ª maior indústria bélica do mundo nos anos 1980 – hoje importa até armas leves. Não temos sequer um sistema de defesa aérea de média e alta altitudes. O que nos impede de chegar a outro nível?
Nesta reportagem, vamos investigar a fundo o tema. Primeiro, o que define uma potência militar – e por que o Brasil não se encaixa nesse perfil? Quais foram os erros históricos que nos deixaram para trás, e o que podemos aprender com países como a Índia e a Turquia? Também veremos o que falta em tecnologia, orçamento e estratégia para virarmos uma potência regional, e as consequências de continuar negligenciando a defesa do nosso vasto território, da Amazônia ao pré-sal.
O que é uma potência militar? (e por que o Brasil não é uma)
Uma potência militar não se define apenas pelo tamanho das Forças Armadas ou pela quantidade de armas. Trata-se de um país com capacidade estratégica para projetar poder e defender seus interesses, influenciando o cenário geopolítico regional ou globalmente. Isso é sustentado por Forças Armadas bem equipadas, com tecnologia avançada e frota moderna.
Uma indústria bélica autossuficiente, capaz de produzir armas, veículos e sistemas de defesa próprios, também é essencial. Soma-se a isso a influência geopolítica, construída com alianças estratégicas e participação em missões importantes. E, claro, um orçamento robusto, com investimento contínuo em defesa, idealmente acima de 2% do PIB, destinando boa parte a investimentos, não só a pessoal.
Ser uma referência militar pode assegurar o poder de dissuadir conflitos. É também importante para garantir a soberania, protegendo o território e os recursos naturais. Além disso, aumenta a influência política do país, dando mais voz em negociações internacionais.
Como um país se torna uma potência militar?
Para ser considerado uma potência militar, mesmo que regional, um país precisa dominar quatro pilares, segundo Augusto Teixeira, coordenador de um grupo de pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional da UFPB. São eles:
- Capacidade tecnológica e industrial: Isso significa produzir suas próprias armas e dominar tecnologias críticas como nuclear, cibernética e espacial. A Índia, por exemplo, desenvolveu mísseis nucleares e aviões como o Tejas, reduzindo a dependência de fornecedores estrangeiros.
- Doutrina e estratégia clara: É definir as prioridades, como dissuasão nuclear, proteção de fronteiras ou projeção de poder. Isso exige um alinhamento entre Forças Armadas, política externa e indústria.
- Orçamento sustentável: Implica em investimento contínuo, com um mínimo de 2% do PIB, padrão da OTAN. O Brasil, no entanto, gasta 1,1% do PIB em defesa, enquanto a Turquia investe 1,9%.
- Influência geopolítica: Construir alianças estratégicas fortes, como a Índia tem com EUA e Rússia, é vital. Participar de conflitos ou missões de paz também ajuda a ganhar experiência e prestígio.
Onde o Brasil está neste cenário?
Segundo dados oficiais, o Brasil falha em todos esses critérios, conforme vamos detalhar.
Na industrialização: A IMBEL (Indústria de Material Bélico do Brasil) não produz sequer 30% do armamento usado pelo Exército, segundo relatório do Ministério da Defesa de 2022. Enquanto a Índia fabrica 90% de seus fuzis, o Brasil ainda importa modelos como o Austrian STG-77.
Em tecnologia crítica: Temos zero sistemas de defesa aérea de média a alta altitude, como o S-400 russo ou o Patriot americano. O projeto de submarino nuclear (PROSUB), iniciado em 2008, só ficará pronto em 2040, segundo a Marinha.
Sobre o orçamento: O Brasil gasta 1,1% do PIB com defesa, cerca de R$ 112 bilhões em 2024. Países como a Índia investem 2,5%. E a maior parte desse gasto, no caso brasileiro, é destinada ao pagamento de pessoal da ativa e da reserva.
A capacidade, tecnologia, estratégia e orçamento limitados deixam o Brasil longe de se tornar uma potência militar regional ou global. Investir em capacidade tecnológica e industrial, aumentar o orçamento de forma sustentável, criar uma doutrina militar clara e fortalecer a influência geopolítica são passos necessários.